Design mais humano

Feira de Milão 2020

Presidente de grande marca italiana de móveis propõe um “lar do mundo real com design utilizável, ético e sustentável”

Fernanda Massarotto, especial para HAUS
19/06/2020 17:49
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Giuliano Mosconi, presidente da marca italiana Zanotta, uma das mais importantes do país. | Divulgação

Lar doce lar. A frase que banalmente é usada em objetos decorativos se transformou no slogan pós-Covid da Zanotta, uma das marcas de design mais tradicionais do "Made in Italy". A empresa, que participa do Fuorisalone.it, concentrou-se justamente em mostrar aos consumidores que o mundo do design está pronto para acolher suas necessidades domésticas, suas exigências, com peças de qualidade, sustentáveis e quase personalizadas.
"Em um momento tão delicado, percebemos que o ser humano é o centro do universo. Estamos caminhando para um novo Humanismo. Nossas casas voltaram a ser nosso refúgio, nosso ninho, e nos demos conta de que foi deixada para segundo plano", reflete Giuliano Mosconi, presidente da Zanotta. Ele atendeu a HAUS com exclusividade por telefone e fala ainda sobre o futuro do design,  dos lançamentos da marca e da resiliência do setor diante da pandemia.
Cadeira de Patrick Norguet, para Zanotta, 2020.
Cadeira de Patrick Norguet, para Zanotta, 2020.
O que significa para uma marca tão importante como a Zanotta participar do primeiro Fuorisalone em versão digital? O que se perde e o que se ganha? 
Esse é um pouco do nosso Salão do Móvel mesmo que em versão limitada, mas é o nosso evento. Nossa participação é uma demonstração da vontade de recomeçar. Ficamos parados muito tempo e para enfrentar um período de crise é preciso superar os obstáculos. E tenho certeza que conseguiremos. Perdemos é claro o contato pessoal, a espontaneidade, o olhar dos clientes, dos arquitetos e das empresas parceiras.
Fica faltando o toque, o cheiro e a emoção de ver de perto um novo produto. O ganho fica por conta da nossa resiliência, da autonomia, de poder contar a nossa história do nosso jeito. Somos mais livres no mundo digital. Em resumo: entre perdas e ganhos, a indústria do design mostrou mais uma vez a sua força.
A quarentena forçada - dois meses e meio - em quanto afetou a produção e o faturamento da Zanotta? 
Foram setenta dias de produção interrompida, mas o nosso trabalho nos bastidores não parou. Nossa produção caiu 30%. Teremos uma perda econômica, em relação ao mesmo período do ano passado, em termos de faturamento, de 6 a 7 milhões de euros.
Mas, reforçamos nossos contatos e relações com outras empresas, com fornecedores e com nossos projetistas, tanto que estamos apresentando durante o Fuorisalone a coleção "“Back to Emotions" com peças que propõem a ideia de um lar do mundo real, com design utilizável, ético e sustentável. E ainda temos a reedição da coleção Mollino CM 2020, oito peças, uma homenagem a fantasia do grande arquiteto e designer torinês Carlo Mollino, conhecido valorizar as formas zoomorfas e linhas anatômicas em seus projetos.
Chaise longue Rider, com assinatura de Ludovica e Roberto Palomba para Zanotta.
Chaise longue Rider, com assinatura de Ludovica e Roberto Palomba para Zanotta.
Estratégias para o futuro. Em que modo a pandemia a relação da marca com o consumidor e o mercado? Haverá uma maior investimento na plataforma de e-commerce? 
Acho que as nossas coleções espelham essa nova relação com o consumidor. Como disse antes, o ser humano se deu conta da sua importância. A casa, que para muitos era apenas um local para dormir, se tornou nosso único espaço seguro. O consumidor percebeu que muitos de seus móveis foram comprados por impulso sem que houvesse um porquê. Descobrimos também que mesmo em casa é necessário termos ambientes privados, que nem sempre a mesa da cozinha pode ser usada como escrivaninha e que um cadeira de boa qualidade é sinônimo de conforto. A Zanotta quer promover um design acolhedor e pessoal. Nossa intenção é sempre oferecer uma vasta gama de produtos que satisfaçam as exigências do nosso cliente. O e-commerce veio para ficar e estamos estudando investimentos pesados nessa área.
O tema da sustentabilidade é muito presente hoje no design. As empresas do setor investem sempre mais no uso de materiais recicláveis e processos que impactem menos no ambiente. Depois do coronavírus, o tema central será a qualidade e uso de mão de obra especializada? 
Ser sustentável é uma obrigação no setor e mais do que nunca é preciso pensar na sustentabilidade social que vai além do uso do material reciclado. A economia circular está aí para nos ajudar, é uma alternativa atraente que busca redefinir a noção de crescimento, com foco em benefícios para toda a sociedade. E o design deve seguir essa linha. Não só de reciclar mas de transformar o que já foi produzido. A qualidade deveria ser considerada uma característica inerente a qualquer produto assim como o uso de mão de obra especializada, seja ela artesanal ou industrial.
Mesa de Carlo Mollino, peça de 1948, reeditada pela Zanotta desde os anos 1990.
Mesa de Carlo Mollino, peça de 1948, reeditada pela Zanotta desde os anos 1990.
A pandemia mostrou que a globalização tem suas vantagens e desvantagens. Basta analisarmos o caso da China. O senhor acha que esse seria o momento para que algumas empresas italianas voltem a investir na produção local? 
Não só acho como devem. A Zanotta produz 100% em território italiano até mesmos pequenos componentes. Tenho a impressão de que o mercado seguirá esse caminho de valorização do chamado savoir-fare. O próprio consumidor também está mais consciente, comprando o que realmente lhe serve. A tendência é não seguir as tendências. Investir em um design que seja consciente, sustentável, de qualidade e solidário. Em relação à China, vejo que as novas gerações - e falamos de consumo - admiram o Made in Italy e até o enaltecem nosso know-how mais do que nós mesmos. Muitos designers daquele país almejam desenhar produtos para nossas empresas pois sabem que somos os melhores. É hora de olharmos para o nosso próprio umbigo.
Qual o futuro do design "Made in Italy"? 
Sou otimista. Vejo um futuro positivo à nossa frente. Temos história, capacidade, experiência e criatividade de sobra para enfrentarmos qualquer crise. Está no nosso sangue, faz parte do nosso DNA. O design internacional busca sempre novos horizontes em território italiano. Os designers - de todo o mundo- sonham em trabalhar para nossas empresas pois sabem que aqui é o berço da criatividade, inovação e até mesmo loucura. Só aqui podem dar asas à imaginação.