Entrevista

Feira de Milão 2020

A cadeia do mobiliário no Brasil precisa mudar drasticamente, aponta Ronald Sasson

Luan Galani
19/06/2020 12:32
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Foto: Estúdio Ronald Sasson/Divulgação

O curitibano Ronald Sasson é um dos principais nomes da nova geração de designers de mobiliário brasileiro. Fez de Gramado, no Rio Grande do Sul (um dos principais pólos moveleiros do país), sua casa há mais de 12 anos, e há sete anos mantém a tradição de lançar suas criações no Fuorisalone. "Para mim é muito importante poder brincar com o cenário, ter o misancene da cidade, poder explorar a cenografia que quiser, interagir com pessoas diferentes". confidencia o designer.
Em entrevista exclusiva para HAUS, Sasson falou das mudanças pelas quais o universo do design, das fábricas e das lojas de decoração precisam passar e explicou com detalhes sua nova coleção. Confira!
O que precisa mudar no design, o que pode melhor depois da pandemia do novo coronavírus? E na indústria? 
Para a indústria e o design, o que muda não é formato de desenho, nem tipo de produto. Eu acho que vai mudar o canal de comercialização. Provavelmente com estúdios de design trabalhando diretamente com escritórios de arquitetura, até com público final, as fábricas também. Para evitar marcação das lojas. E as lojas vão ter que rever muito a marcação de valor. Isso vai mudar.
O que quer dizer marcação?
Marcação é uma loja pegar o seu produto por R$ 1 mil e vender por R$ 4,5 mil. Produto por R$ 2 mil e vender por R$ 8 mil. Vão ter que passar a pegar por R$ 1 mil e vender por R$ 2 mil, no máximo. Porque houve empobrecimento geral, e vai piorar. Não é que não vão estar dispostas a pagar esse valor, mas as pessoas não vão ter dinheiro para pagar tanto para ter as coisas. E os designers e as fábricas não vão querer esperar que elas voltem a ter esse dinheiro para trabalhar, porque não vão aguentar.
Banco Serpa do Estúdio Ronald Sasson para Voler Móveis ganhou o iF Design Awards 2020. Foto: divulgação
Banco Serpa do Estúdio Ronald Sasson para Voler Móveis ganhou o iF Design Awards 2020. Foto: divulgação
E a velocidade de coleção, lançamentos todos os anos, a velocidade que as coisas acontecem?
Conforme as fábricas e os estúdios passarem a trabalhar diretamente para o público final e os escritórios de arquitetura, isso muda. Acaba acontecendo igual na Europa. Eles lançam muito pouco lá. A necessidade de lançamento grande das fábricas e dos estúdios de design do Brasil se dava por conta das lojas. Você dá exclusividade de uma linha sua para uma loja, daí tem que dar outra linha para outra loja, e outra para outra. O que uma tem a outra não pode ter. Isso gera uma necessidade de lançamentos que acabam ficando bem desimportantes. Tudo vai passar pelo critério comercial. É isso que acho que vai acontecer. Fábricas vão lançar menos coisas, e o que lançar vai ser com mais valor.
Como é o seu processo, seu método de novas técnicas e materiais para as criações?
Tenho uma relação muito próxima com fábricas. Sou de Curitiba, mas tô morando no Rio Grande do Sul. Aprendi muito com o processo industrial delas. E tento trazer isso em meu benefício. Fazer as máquinas trabalharem para o meu estúdio. Chão de fábrica é a melhor escola. Quando encontro algum material, faço trabalhar junto com os materiais que me eram familiares. Exemplo: agora estou trabalhando com um novo concreto, mais leve, que permite trabalhar com colorações. Tô trazendo para trabalhar com multilaminados e madeiras maciças. Cada vez mais quero trabalhar com materiais não perecíveis. Que tem força de permanência longa.
Coleção Fluid Wood é a mais nova criação de Ronald Sasson, lançada no Fuorisalone Digital 2020. Foto: divulgação
Coleção Fluid Wood é a mais nova criação de Ronald Sasson, lançada no Fuorisalone Digital 2020. Foto: divulgação
O que é esse novo concreto?
Leva polímero de borracha. Não é todo compactado, não é todo aderente, tem ar dentro, e fica bem mais leve. Assim, grandes cubos de concreto que pesariam 200 kg, ficam com apenas 20 kg. Com a mesma aparência. Para essa nova coleção, da Fluid Wood, me apoiei no conflito entre a seiva da madeira e o bloco inerte de pedra. Como se fosse a vida que encontra uma forma de acontecer apesar dos obstáculos. São peças limitadas. Eu lançaria a coleção na Paola Colombari, em Milão, e também na SP-Arte, com a Herança Cultural. Mas tudo mudou.
É difícil ir além dos mestres modernistas de mobiliário? Como ir além?
Uma jornalista inglesa me fez essa mesma pergunta há dois anos atrás. O Brasil ficou conhecido em uma época muito própria. Foi a época do Cinema Novo, da Bossa Nova, do movimento modernista no design, do grupo Frente, do grupo Ruptura. Esse movimento do nosso modernismo pegou muita coisa do escandinavo, deixou mais robusto e utilizou o jacarandá. Colocou um DNA brasileiro, mas é muito nórdico. São nossos mestres. Nenhum pensava em ser famoso e postar no Instagram. Queriam vender móveis. Aquilo ficou para o exterior como o design brasileiro.
Desde então, surgiu uma nova leva de designers brasileiros, eu e tantos outros. É mais complicado, porque fazemos um design mais universal, internacional. Mas [essa visão do mobiliário modernista] vai ser rompida na medida em que o Brasil atuar como um player internacional. Existe um novo Brasil.
Alguns falam de uma favelização do design brasileiro. O que você acha?
Aconteceu em tudo. Olha a música brasileira. Virou expressão da desgraça. Arte cenográfica. Cinema brasileiro. A gente leva pau do cinema argentino. O Brasil ficou cafona. Teve uma explosão. Indústrias queriam vender e qualquer pessoa começou a fazer coisa desimportante. Que não é design. É conjuntinho de venda. Sem DNA, sem expressão. Mas é natural. Na Itália também aconteceu isso.

Designer Ronald Sasson pede desculpas por opinião equivocada sobre as lojas de decoração

Depois de afirmar que as lojas de decoração brasileiras precisariam mudar alguns de seus hábitos após a pandemia, o designer curitibano Ronald Sasson enviou nesta sexta-feira (26) uma nota para HAUS pedindo desculpas a todos que se sentiram afetados pela forma simplista com que ele teceu seus comentários.
O designer diz que falou sem pensar de maneira mais profunda em todos aspectos que influenciam o dia a dia das lojas. "Compreendo de coração o elevado custo de operação das lojas e o fundamental trabalho que elas exercem de divulgação e apoio ao design nacional."
Confira a nota na íntegra:
"Gostaria aqui de expressar que fui simplista demais no meu comentário feito na minha entrevista para a HAUS. Todos estamos passando por um momento duro e assustador.
Compreendo de coração o elevado custo de operação das lojas e o fundamental trabalho que elas exercem de divulgação e apoio ao design nacional.
Em meu pensamento apenas pensei em uma redução simples de valores que seria o desejo de todos, inclusive lojistas, mas obviamente não pensei de maneira mais profunda em todos aspectos.
Peço que a quem tenha se sentido afetado que me desculpe.
E que fiquemos todos bem com saúde e em paz neste novo mundo."