Entrevista

Expo Revestir 2023

“Sustentabilidade é desacelerar o ritmo de produção”, acredita designer Gabriele Chiave

Sharon Abdalla e Cristina Seciuk
13/04/2023 19:15
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O designer italiano Gabriele Chiave concedeu entrevista a HAUS em passagem recente pelo Brasil, em março, durante a Expo Revestir 2023 | Reprodução/Divulgação

Aclamado por sua criatividade, o designer italiano Gabriele Chiave embarcou num novo movimento de carreira após a longa trajetória no Marcel Wanders Studio, iniciada em 2007 e que lhe deu notoriedade internacional. À frente da criatividade e inovação do conglomerado The Estée Lauder Companies, o designer agora coloca sua expertise a serviço de gigantes da indústria da beleza, como Aramis, Clinique e MAC.
Co-autor de projetos que vão de contornos de talheres a interiores de hotéis, o designer avalia que a atualidade cobra um novo olhar para o design. Chiave concedeu entrevista a HAUS em passagem recente pelo Brasil, em março, quando participou do Fórum Internacional durante a Expo Revestir 2023.

Para começar, conte-nos sobre onde está vivendo e atuando profissionalmente no momento? 

Moro em Nova York há seis meses. Hoje sou vice-presidente global e diretor criativo de design e inovação da Estée Lauder Companies, supervisionando este trabalho para 32 marcas do grupo em todas as categorias, então: perfumaria, maquiagem, cuidados com a pele e cabelos. Também fundei [em 2022] em Amsterdã, Milão e Nova York o coletivo criativo Controvento - que significa contra o vento -, em que fazemos trabalhos para clientes como Fendi, Audi, VB e assim por diante. Essas são as minha duas esferas de atuação hoje em dia, mas estou fixo em Nova York há seis meses.

Você trabalhou por mais de 15 anos como diretor criativo de Marcel Wanders e também realizou projetos para outras marcas que são gigantes do design mundial (Kartell, Magis etc). Pode destacar alguns dos trabalhos que, para você, foram especiais nesta jornada e o por quê? 

Acho que não seria justo com os demais projetos pontuar isso... é como com os filhos, você não diz qual é o mais bonito, não é? Mas, sim, existem alguns clientes que, ao longo da minha carreira, estiveram e ainda estão próximos do meu coração. São os clientes com quem mais me conectei e com quem – claro – trabalhei mais e que se tornaram uma espécie de segunda família para mim. Não é mais um cliente, mas realmente um time.
Alessi é um deles, Baccarat é outro. Claro, existem muitos outros. Mas são alguns que, acredito, foram muito significativos para o meu crescimento e para a minha carreira, embora tenham sido inúmeros os clientes ao longo dos anos.
Quando você faz design é extremamente importante criar conexões que sejam duradouras, tanto quanto possível, pois é assim que você realmente poderá fazer a diferença para uma empresa como designer. Para realmente entender a marca e apoiá-la ao máximo, para criar algo extremamente especial e único.

Você se diz um viajante e já morou em diversos países. Essa experiência contribui para que desde sempre você tivesse uma visão mais global do trabalho que realiza? De que maneira isso se expressa?

Nasci na França onde vivi os primeiros anos, depois cinco anos no Senegal, cinco anos em Caracas, três anos em Buenos Aires, três anos em Roma, nove em Milão, quinze em Amsterdã, e agora Nova York. Isso de fato lhe dá uma cabeça mais aberta para a vida, não apenas para o design. Você entende a importância das diferentes culturas, entende a riqueza que cada uma delas pode trazer para o processo de design ou para a vida em geral. Acho que é algo extremamente especial, tive muita sorte de crescer dessa forma.
Como isso aparece? Bem, acho que hoje vivenciamos uma conexão muito mais global por causa de como nos comunicamos, do quão mais conectados estamos do que quando eu era criança. Agora o mundo está muito interligado, o que eu acho que me ajuda muito mais a me adaptar para entender, para realmente ser muito versátil não só quando viajo, mas também com pessoas, com clientes.
Essa cabeça mais versátil também torna você capaz de se colocar no lugar do outro, ou da empresa em que você está trabalhando e de entender melhor o que fazer ou como reagir para se comunicar. Como isso se expressa eu não sei.. existem muitas maneiras de entender as raízes e o DNA característico de uma marca e expressá-los através de suas próprias lentes. Além disso eu não saberia dizer.

A história conta que quando Marcel Wanders o procurou buscava um designer com uma visão mais funcional e industrial. E você já disse que vê na poesia uma forma de encarar a vida, movida pela beleza e pelo sonho. Na sua produção como designer, qual das duas prevalece? A arte ou a função? 

Quando saí de Milão eu tinha 26 anos e tinha um background daquele design italiano industrial, da produção em massa. E na Holanda eles têm uma abordagem de design que é muito mais próxima da arte, da edição limitada, porque eles não têm esse tipo de teia industrial presente na Itália. Então, de fato, esses dois polos de design, chamemos assim, o italiano - mais na área industrial, de produção funcional - e o holandês - mais próximo da arte- combinaram muito bem juntos na experiência de Marcel. Isto me ajudou bastante.
O entendimento é de que a criatividade e o design não são apenas função, não são só sobre o racional, mas também se relacionam com o coração e a alma das pessoas, desencadeiam emoção. E eu acho que um design que é desejável e durável também mexe com o nosso lado racional. Amor, poesia, é isso que atrai as pessoas, não função.
Acho que não prevalece arte ou função, eles tem que ser bem dosados, é preciso entender que é preciso ter uma base - uma cadeira precisa de quatro pés para ficar em pé, então você precisa do alicerce. É preciso ser, de certa forma, funcional e racional, mas isso não basta. E depois vem uma camada que trata do craftsmanship, do patrimônio, da história, da cultura; adicionar essas camadas ao projeto de forma a enriquecê-lo e gerar conexão de uma forma tão emocional de modo que a peça torne-se perene, que vença o teste do tempo.
Não é um (arte) ou outro (função), é tudo junto. Você só tem que conciliá-los direito.

O design é uma ferramenta para tornar o mundo melhor?

Definitivamente é e deve ser. Uma ferramenta para tornar o mundo melhor e tornar as pessoas mais felizes na maneira que vivem, tanto de uma forma mais funcional como também emocional. O design e a criatividade são a primeira expressão da humanidade. Então eu acho que é uma ferramenta muito, muito poderosa para tornar o mundo melhor e é ainda mais importante usar nosso cérebro e nossa criatividade para fazer isso a partir de uma abordagem mais humanística para o design. Para colocar novamente as pessoas, os valores humanos, no centro de cada projeto, porque isso significa que também estamos procurando ser mais sustentáveis ​​e proteger o planeta. Porque uma abordagem humanística hoje não significa apenas colocar as pessoas novamente no centro, mas colocar nosso planeta no centro. Então, sim, acho que o design pode definitivamente ser uma ferramenta para tornar o mundo melhor.

Sustentabilidade é a palavra de ordem no mundo, em especial no design. Você veio ao Brasil para uma das maiores feiras de revestimentos e acabamentos da América Latina e estamos com a Semana de Design de Milão logo à frente. São dois exemplos de eventos nos quais centenas, se não milhares, de novos produtos são lançados anualmente, o que pode soar um contrassenso quando se pensa em matéria-prima, produção industrial e se há a necessidade de mais uma mesa, uma cadeira no mundo. Qual a sua opinião sobre estas relações? Qual é a nova fronteira e para aonde caminhamos quando pensamos em sustentabilidade na produção e consumo de design?

É realmente algo que todo mundo está olhando, principalmente em nossa indústria; eu acho que é uma palavra muito perigosa e uma ferramenta perigosa para apenas sinalizar, como uma bandeira. Há muito greenwashing sobre produtos que se dizem sustentáveis, mas que na verdade não são. E, claro, como falei antes, acho que a gente precisa desacelerar a produção, desacelerar a quantidade de lançamos a cada ano. A cada Salão [do Móvel de Milão] é uma quantidade enorme de peças novas lançadas no mercado, testadas… Um projeto precisa de tempo para ser realmente pensado, para ser testado, para ser feito com qualidade, e é assim que você vai criar uma peça perene. Você não pode fazer isso de modo rápido e sujo. Caso contrário temos um fast food de design.
Para mim, e neste sentido, sustentabilidade será desacelerar o ritmo de produção, desacelerar o ritmo de nossos eventos e exposições, temos que mudar nossa mentalidade para que nos relacionemos de outro modo com o design.
Outra questão importante da sustentabilidade é que…. Vejo que há pesquisas sobre isso em diversas áreas. Às vezes, o marketing está mais ativo. E essa é a parte do greenwashing sobre a qual falei. Mas é importante olhar para a sustentabilidade não apenas quando uma peça é desenhada; sustentabilidade significa estar atento a todo o processo. Fazer algo sustentável hoje é ver de onde vem os materiais, com quem você vai trabalhar, como você vai produzir uma peça, de que jeito você pode desmontar o seu processo, como é sua logística, sua embalagem, como será o descarte, enfim, todo o ciclo de vida precisa ser tratado para que um produto seja sustentável.
Acho que nós - como designers e criativos - devemos abraçar e tentar abrir nosso entendimento de como é o processo de A a Z para fazer peças realmente sustentáveis. E esse processo não leva três ou seis meses, pode demorar dois, três anos. É assim que você terá um projeto que vai durar muitos anos. Acho que é por aí que devemos mirar atualmente.