Entrevista
Expo Revestir 2023
“Não podemos falar em sustentabilidade, temos que falar em regenerar”, diz arquiteto Michel Rojkind
O arquiteto mexicano Michel Rojkind | Divulgação
À frente do escritório Rojkind Arquitectos há 20 anos, o mexicano Michel Rojkind faz parte de uma geração de profissionais que vem transformando seu país – e sendo amplamente reconhecido por isso, seja por meio de premiações, menções em rankings ou convites para participar de projetos internacionais de grande escala.
O reconhecimento vem pelo trabalho desenvolvido, que se baseia na premissa de que a arquitetura deve impactar positivamente os espaços em que os projetos são inseridos, contribuindo para a resolução de problemas ou para, de alguma forma, tornar o mundo um lugar melhor.
Esta visão e sua perspectiva sobre sustentabilidade e sobre a produção arquitetônica da América Latina foram temas da conversa que o arquiteto teve com HAUS quando esteve no Brasil, em meados de março, para participar do Fórum Internacional durante a Expo Revestir 2023.
Você completou 20 anos de Rojkind Arquitectos, que foi criado com a intenção de pensar design e arquitetura para além da funcionalidade, com atenção ao seu entorno e aos desafios contemporâneos. Com isso em mente, quais você acha que foram as principais contribuições do seu escritório nas últimas duas décadas?
Nós trabalhamos para o governo, trabalhamos para clientes particulares, fazemos projetos pro bono… Então, fazemos muito, temos muita experiência em trabalhar com diferentes tipos de clientes. Mas, no fim das contas, sempre perguntamos a cada pessoa que vem até nós: o que o projeto traz de volta para a comunidade?
Além de atender a um cliente particular que talvez queira fazer um prédio residencial ou trabalhar para o governo fazendo um projeto público, estamos sempre perguntando o que o projeto pode fazer [pelo seu entorno]. E quando perguntamos o que ele pode fazer, sempre trazemos especialistas e tentamos reformular a pergunta para tornar a resposta muito melhor. Então, trazemos sociólogos, antropólogos, paisagistas, formuladores de políticas públicas e diversas pessoas para reformular a questão e ter um melhor resultado.
Então, vocês são uma grande equipe?
Na verdade, não. Somos uma equipe pequena, mas customizamos times. Quando o cliente vem, falamos para ele que vamos convidar essa e aquela pessoa, e montamos a melhor equipe possível para trazer o melhor resultado. Eles não estão no meu escritório, mas são colegas – sociólogos, formuladores de políticas públicas etc. – que têm seus próprios escritórios. Convido as pessoas que eu acho que são relevantes para o projeto porque elas vão fazer as melhores perguntas [para desenvolvê-lo].
Você destaca essa habilidade da arquitetura de retribuir à comunidade em que os projetos são inseridos, de ser um instrumento de construção social e resolução de problemas. Você poderia nos contar mais sobre sua visão neste tópico?
Bem, eu poderia usar alguns exemplos. Eu sempre digo que você pode dizer muitas coisas, mas na hora de fazê-las, é preciso agir com coerência em relação ao que você fala e ao que você é capaz de alcançar.
Quando fizemos, por exemplo, o National Film Institute para o governo mexicano, la Cineteca Nacional de Mexico, foi uma grande missão, porque dá às pessoas uma sensação de orgulho, porque a Cineteca Nacional é esse lugar onde as pessoas vão ver os melhores filmes, filmes de arte, claro, não comerciais.
Então, quando nos pediram para fazer o projeto, dissemos que sim, mas pensamos em fazer perguntas melhores e algumas delas foram: podemos mudar a garagem para tirar os carros? Então, trouxemos um parque. Podemos fazer um cinema ao ar livre? Podemos conversar com a comunidade local? E nós conversamos com as pessoas e reformulamos o programa e decidimos trabalhar juntos e o resultado está aí.
O que eu quero dizer quando falo em engajar a comunidade é que agora há esse teatro lindo, esse cinema lindo e as pessoas vão lá. É um espaço aberto, um espaço público. E tem teatro, concertos musicais, muitas coisas. E assim a Cineteca Nacional passou a ser uma plataforma de cultura em geral.
Qual a sua opinião sobre a produção arquitetônica da América Latina, principalmente no México e no Brasil?
Acho que sempre nos preocupamos muito com o ofício. Eu acho que, assim como os mexicanos, os brasileiros têm uma preocupação em relação aos nossos materiais e sua crueza, à incorporação da vegetação… Aliás, isso tem mais aqui no Brasil, essa integração com a natureza – e eu amo!
E penso que aprender a partir do que estamos fazendo tem sido muito bom. Por isso, adoro viajar e vir ver meus colegas aqui em São Paulo. É muito bom porque assim trocamos conhecimento, conversamos sobre como vemos a produção local, o que evoluiu no e o que não evoluiu, como estamos usando a tecnologia, como estamos incorporando todos esses aspectos para fazer uma arquitetura que realmente responde às necessidades do mundo atual.
Como priorizar o aspecto humano ao incorporar inovações super rápidas, como a inteligência artificial?
Eu vejo a inteligência artificial apenas como uma ferramenta. Eu não vejo que vai tomar o controle de tudo. Com certeza, vai mudar a forma como trabalhamos, mas no momento acho que precisamos de mais mentes e mais pessoas discutindo o que está acontecendo. A inteligência artificial vai continuar crescendo e precisando de informações, ou seja, de contribuição humana e ética. Se não trouxermos esses aspectos para a inteligência artificial, ela vai crescer com os parâmetros errados.
Então, acho importante entender que é uma ferramenta que definitivamente fará nosso trabalho diferente e até mais fácil, mas que vai nos pedir muitas outras coisas. Acredito que estamos vivendo em um tempo bonito e que não é coincidência que isso esteja acontecendo tecnologicamente enquanto há um despertar humano para, por exemplo, a espiritualidade ou que a psicologia agora esteja aceitando tratamentos com psicodélicos para acelerar nosso processo de cura. Acho que não é coincidência que isso esteja acontecendo ao mesmo tempo em que você tem inteligência artificial, porque isso exige que acordemos e nos curemos, para entender como criar os inputs certos para alimentar a inteligência artificial.
Existe um termo que é “inteligência geral”, que deve ser o que vem depois que a inteligência artificial já conhecer todas as informações oferecidas pelos humanos. Haverá inteligência geral quando colaborarmos com a inteligência artificial e outras tecnologias.
Você disse recentemente que, quando se trata de sustentabilidade, é preciso pensar não apenas no que fazemos, mas em como fazemos. Uma abordagem mais inovadora pode desempenhar um papel decisivo nos próximos anos?
Para mim, agora, não podemos falar em sustentabilidade porque não há nada para sustentar. Quero dizer, não podemos sustentar nossos modos de vida insustentáveis, então temos que falar sobre regenerar. É muito diferente falar de algo que eu quero sustentar para algo que quero regenerar, que exige um esforço meu para dar algo para que ela se regenere.
Quando as pessoas falam sobre sustentabilidade, sei que há coisas que precisamos sustentar, mas prefiro que seja generativo, porque o regenerativo me pede mais. Não acho que estamos em um momento agora de, como dizem os americanos, não deixar rastros. Acredito que o momento exige que deixemos algo que torne o mundo melhor. O que quer que você esteja fazendo, certifique-se de que vai tornar o mundo melhor.
Estou ansioso para edifícios que, no futuro, sejam capazes de se conectar ao solo e fazer leituras dele. Assim, o prédio não servirá somente às pessoas, mas também ao planeta, porque ele vai saber se precisa fornecer oxigênio ao solo ou se precisa trazer água para o subsolo ou se precisa enviar nutrientes. Então, teremos mais plantas. E, com isso, teremos uma relação mais próxima com a natureza, entenderemos que somos a natureza, que não estamos separados dela.