"Design pela liberdade"
Expo Revestir 2021
Depois da moda e da alimentação, é a vez da construção civil lutar contra a escravidão moderna
Sharon Prince, CEO da Grace Farms, fundação que criou o movimento Design for Freedom | Divulgação
Sustentabilidade na cadeia da construção civil vai além das questões relacionadas ao meio ambiente. A afirmação posta por Sharon Prince, CEO da Grace Farms Foundation, em evento paralelo da Expo Revestir 2021 nesta terça-feira (22) alerta para outra questão igualmente (ou até mais) relevante: a sustentabilidade social do setor.
Em sua fala no Soul Design Summit, a também fundadora da fundação interdisciplinar privada baseada em New Canaan (EUA), que busca a paz por meio de cinco iniciativas (natureza, artes, justiça, comunidade e fé), com foco na violência baseada no gênero e na escravidão moderna, afirmou que esta última tem na indústria da construção uma de suas principais fontes.
"Foi a partir da proximidade [com a arquitetura] que tivemos uma melhor compreensão do trabalho escravo globalmente. Aconteceu quando decidi [participar de] um júri nacional de projetos que ainda estavam fortemente voltados para a sustentabilidade, mas não foram ponderados em relação à sustentabilidade social", lembra Sharon. "Estávamos avaliando um projeto escolar de uma garota afegã, que é extraordinário, e me perguntei se sabíamos o suficiente sobre trabalho escravo. Todos na sala ficaram em branco”, acrescenta ao lembrar que quando se fala em trabalho escravo na construção civil, geralmente pensa-se no local de trabalho, no canteiro de obras em si, esquecendo-se da cadeia de aquisição de materiais, que é a “outra metade da equação”.
“Sabemos que um ambiente construído tem um relacionamento incrível com a natureza e as pessoas, mas minha pergunta é: será que esse prédio foi construído sem escravidão, sem trabalho forçado e também foi projetado de maneira sustentável? E ninguém pode respondê-la porque a indústria inteira não tem informado quais são os materiais utilizados. Não temos dados suficientes, não temos muito entendimento”, pontuou ao detalhar as bases que levaram à criação pela Grace Farms do Design for Freedom (Design pela Liberdade, em tradução livre), movimento que busca jogar luz sobre a temática a nível global e reúne mais de 60 líderes e especialistas da indústria com o objetivo de eliminar a escravidão moderna no ambiente construído.
De acordo com a CEO, o Departamento de Estado dos Estados Unidos reportou que projetos de construção apresentam evidências de tráfico de pessoas em 103 países. E que, por mais que leis globais proíbam o uso de trabalho escravo no setor, a construção civil é a indústria na qual há maior probabilidade dele acontecer, especialmente na cadeia de matéria-prima. Mesmo assim, o problema ainda é pouco conhecido.
“Fico pensando na beleza de nossos edifícios, como eles são ótimos para nós e como deveríamos prestar mais atenção se a cadeia de material é ética. Se você pensar, quase toda construção moderna ao redor do mundo tem escravidão devido ao trabalho escravo que permeia milhares de matérias-primas local e globalmente. Começou com o fast food, a moda e o próximo [setor a enfrentar a questão] é o da construção. E é isso o que estamos tentando fazer. Deixar o problema conhecido”, reafirma.
“Nós podemos responsabilizar a cadeia de materiais para que possamos redirecionar as especificações para fornecedores mais permanentes, éticos e sustentáveis ambientalmente, tudo ao mesmo tempo”, enfatiza ao lembrar o sucesso do movimento verde, iniciado há cerca de 30 anos, e todos os resultados que ele já trouxe para a preservação dos recursos naturais e para o planeta. “Mas pessoas têm sido deixadas para trás. Em termos de prioridade, elas são negligenciadas. Por isso queremos expandir a definição de sustentabilidade social, que inclui pessoas, natureza e o nosso planeta”, reforça.
Problema macro, solução conjunta
Dar visibilidade à temática é fundamental, mas não o único caminho para a solução do problema. Para a CEO da Grace Farms, é preciso a união, a participação de todo o ecossistema da construção para que o cenário mude. E isso vai da concepção do projeto à especificação e aquisição de materiais.
“A adoção deste entendimento é muito rápida [por construtores, arquitetos, engenheiros e demais atores do setor]. E são os materiais [especificados] que têm resquícios de escravidão. [Então], é trabalho dos arquitetos e engenheiros perceberem que eles [também] têm o poder para ver quais são esses materiais em seus projetos”, destaca Sharon.
Para ilustrar a questão ela cita o exemplo dos painéis solares, solução sustentável para suprir a demanda energética de empreendimentos dos mais diversos portes e que, muitas vezes, são produzidos na China, especialmente na região autônoma de Xinjiang. “Sabemos que mais de 100 mil pessoas estão sendo forçadas ao trabalho escravo e detidas nesses campos. Nós tentamos criar um projeto sustentável, mas os materiais são feitos por trabalho escravo. [O mesmo ocorre com] as madeiras, que são os materiais de construção mais onipresentes e com maior risco de trabalho escravo [envolvido] em todo o mundo”, acrescenta.
Dentro do projeto Design for Freedom, inclusive, a Grace Farms listou os materiais e matérias-primas cuja produção envolve alto risco de trabalho escravo. Entre os dez primeiros do ranking estão: borracha, vidro, fibras e têxteis, aço, eletrônicos, tijolos, madeira, pedras, cobre e ferro.
“Há a necessidade de pedirmos por mais leis e mais supervisão. [Mas] o principal a se fazer [para coibir o trabalho escravo na cadeia da construção civil] é, como eu disse, questionar tudo. Agora que você sabe, não pode deixar de saber. E tem o trabalho de agir”, finaliza Sharon Prince.