Pritzker 1992
Expo Revestir 2021
“Arquitetura nasce do diálogo, que precisa ser quente para ser autêntico”, defende Álvaro Siza
Reconhecido por sua produção residencial, o arquiteto português Álvaro Siza é um dos grandes profissionais do mundo contemporâneo. | Reprodução/Spanish National Architecture Award 2019
O arquiteto português Álvaro Siza, 87 anos, defendeu sem papas na língua em evento paralelo da Expo Revestir 2021 nesta segunda-feira (22) que a arquitetura nasce do diálogo com todos os personagens envolvidos no processo e que nunca pode ser um monólogo.
"Tem-se que ter a participação da família, do proprietário, da vizinha, da sogra, para se chegar a um consenso. A arquitetura nasce do diálogo. Se não, é um monólogo, que é menos rico e menos interessante. E o diálogo precisa ser quente para ser autêntico", afirmou o arquiteto laureado com o Pritzker, considerado o "prêmio Nobel da arquitetura", de 1992.
"Por muitos anos trabalhei com habitações econômicas [sociais] em Portugal, onde o diálogo era necessário com populações enfiadas em bairros antigos, marginalizados, de pessoas sem voz para discutir o que era destinado", relembrou Siza. "Foi uma experiência muito boa, de diálogo quente. E depois fiz projetos da mesma natureza na Holanda e em outros países."
A importância da pequena escala
O arquiteto português destacou a importância de primeiro se debruçar sobre projetos de pequena escala, e especialmente as casas, para depois se aventurar em projetos monumentais, públicos, e ainda mais desafiadores.
"É muito difícil fazer um edifício de grande escala sem ter experiência na pequena escala. Estão lado a lado. Mas acredito que isso foi um resultado da situação política na Europa daquele momento, que discutia bastante essas habitações sociais", explicou.
"Fui considerado um especialista em habitação social e participação social na formação do arquiteto, mas acredito que a formação é contínua. Não acaba", opinou Siza. "Eu gostava, mas queria fazer outras coisas também. Fiz concursos de arquitetura para ter acesso a museus, centros culturais, escolas, outros tipos de construção", ensinou.
Ser multidisciplinar é fundamental
"Acho essencial lembrar também que, com a complexidade e exigências das construções de hoje, é impossível uma pessoa fazer tudo sozinha. Tem que trabalhar como uma orquestra, que é feita do pianista, do violinista e assim por diante. Cada um intervindo com seu talento, são capazes de trabalhar em uníssono", sentencia Siza, em defesa do trabalho colaborativo entre diversas áreas. "Não se pode confundir especialista com independente", alertou.
Questionado sobre sustentabilidade, o arquiteto reconhece que o tema é urgente. Mas que, muitas vezes, "a sustentabilidade é colocada como única preocupação, com receitas obrigatórias por regulamentos que se esquecem de alguns aspectos importantes da arquitetura e das cidades. Tudo pode ser bem ou mal utilizado."
Tradição e inovação
Para Siza, a tradição é parte indispensável da inovação. "O novo busca muita coisa na tradição para dar continuidade, é um alimento. Não vejo como opostos. Vejo a tradição como elemento base. Olha, por exemplo, arquitetos que até hoje viajam a Roma para entender a arquitetura", exemplificou.
"Ou a Bauhaus. No início, não havia a disciplina de história, mas depois, com o passar do tempo e a entrada de novos integrantes, a ideia de que a história era algo ruim desapareceu", afirmou. "O próprio Le Corbusier se inspirou em referências da Argélia e do Marrocos, as torres de ventilação, para criar o tão inovador edifício de Ronchamp."
Arquitetura como serviço
Segundo Siza, a arquitetura é um serviço. "Quando nos convidam para um projeto pago, é primeira obrigação saber os objetivos e debatê-los. O tal diálogo. E respeitar completamente a função do edifício", descreveu.
"De certa maneira, sou funcionalista. Entendo o papel fundamental da função como um cumprimento rigoroso do que é pedido. Mas de forma que esses pressupostos funcionais permitam abertura. Uma libertação em relação a função. Porque a função do edifício pode mudar, adaptar é uma tradição", defendeu. E dá o exemplo dos conventos, pelo menos na Europa, que foram criados e aperfeiçoados para uma comunidade de freiras com regras muito apertadas, com um modo de vida muito definido, e que hoje estão sendo atualizados como museus, casas, hospitais.
"É lição de como cumprir com rigor uma função e de como fazer a multiplicação de utilização do edifício sem prejuízo de sua qualidade. Isso quebra aquela máximas que existiram sobre forma e função. Nenhuma estava totalmente certa."