Estilo & Cultura
Série de livros incentiva crianças a pensar em arquitetura e urbanismo desde cedo
Foto: Luísa Amoroso/Reprodução
Nunca é cedo demais para estimular noções de arquitetura e urbanismo em crianças. Essa é a opinião da arquiteta Simone Sayegh e da jornalista e especialista em desenvolvimento urbano Bianca Antunes, autoras da série de livros “Casacadabra”. Composta por duas obras, publicadas pela editora independente Pistache Editorial, a série incentiva os pequenos a conhecer algumas das maiores criações da arquitetura mundial, além de levar noções básicas da área aos minileitores.
Ambas foram viabilizadas por meio de financiamento coletivo através do site Catarse. No primeiro título, “Invenções para morar”, elas apresentam dez casas de diferentes épocas e estilos, passando pela Casa de Vidro de Lina Bo Bardi até a Casa Batlló, de Antoni Gaudí.
O segundo livro, “Cidades para brincar”, lançado em novembro, tem outro objetivo: as autoras optaram por focar em espaços públicos, tanto aqueles assinados por arquitetos como os de iniciativa comunitária. Ilustrados pela arquiteta e designer gráfica Luísa Amoroso, a trama do livro viaja pelos continentes. Nesta edição, passam, por exemplo, pela Avenida Paulista, em São Paulo, e pela Escadaria Trindade do Monte, em Roma.
Nascidos da carência de um material lúdico específico para o público infantil, as duas autoras explicam como é o processo criativo da obra, além de ressaltar os benefícios de trabalhar a arquitetura e o urbanismo com as crianças desde cedo.
Como nasceu a proposta de criar livros sobre arquitetura para crianças?
Bianca: A ideia surgiu quando Simone estava em busca de um livro de arquitetura para sua filha, que tinha então oito anos. Ela estava muito interessada em um jogo em que se construíam edifícios, o Minecraft, e a Simone começou a procurar outros suportes que pudessem lhe ensinar sobre elementos de arquitetura, já que o interesse claramente existia. Na livraria, ela não encontrou nada. Foi quando me procurou e disse que precisávamos fazer um livro de arquitetura para crianças. Isso foi no final de 2013. Até 2016, quando lançamos o primeiro livro, fomos maturando a ideia, buscando referências sobre livros de arquitetura para crianças, [como trabalhar] linguagem e apresentação.
Qual a importância de tratar esse assunto desde cedo? Essa necessidade é recente?
A nossa ideia é que a arquitetura e o urbanismo comecem a ser entendidos desde cedo, para que as cidades sejam construídas, no futuro, priorizando uma melhor qualidade de vida: uma cidade mais humana, atraente para o caminhar, com menos ruído, menos poluição, mobilidade eficiente e mais espaços de encontro.
Dentro disso, entra o lado histórico, sobre como o ambiente urbano funcionou ao longo dos anos e continua funcionando. As cidades são formadas historicamente a partir de fatores geográficos, econômicos, políticos e sociais. Com isso, mostramos que elas não são espaços estáticos, ou seja, elas estão em constante transformação. E, se o que se vê nas ruas não é uma verdade imutável, então é possível encontrar formas que tragam mais qualidade de vida, é possível mudar a cidade para melhor.
A partir daí, é [importante] entender que cada um pode ter sua parte na construção da cidade. As decisões sobre planejamento urbano afetam dramaticamente a qualidade de vida. E em uma era urbana – hoje no mundo mais de 50% das pessoas vivem nas cidades, e no Brasil esse número chega a 85% – é essencial saber como o ambiente em que vivemos funciona para podermos atuar nele. Mas esse conhecimento ainda é restrito aos especialistas da área ou fica na academia. É incrível perceber como as cidades podem ser exemplos práticos para instigar o olhar crítico dentro das salas de aula, em disciplinas tão diversas quanto geografia, história, artes ou filosofia.
E o processo de criação do livro, como vocês escolhem os pontos a serem retratados?
Fazemos primeiro uma lista de projetos. Então selecionamos os dez finalistas com base em um equilíbrio de projetos de diferentes continentes e épocas, que tragam informações e conceitos diversos de urbanismo (e arquitetura, no caso do primeiro livro), e que sejam lúdicos.
Entre os pontos escolhidos no segundo livro estão diversos espaços que são utilizados coletivamente pela população. A intenção da ideia do compartilhamento pelas crianças é prioritária? Por quê?
Espaços públicos, por definição, são espaços utilizados coletivamente pela população, incluindo crianças. São de todos. Se não há crianças em um local público, algum problema ele tem (Francesco Tonucci, um educador italiano, aliás, diz que as crianças são um indicador de qualidade de vida em uma cidade: se há crianças no espaço público, é porque é uma cidade saudável). A presença de mais ou menos crianças no espaço público vai depender do quão atraente ele é, do quão cômodo para estar e para chegar ele é, de como a cidade instiga essa presença. Lembrando que espaços públicos não são apenas parques e praças, é a própria rua em si, as calçadas, como mostramos com a avenida Paulista, por exemplo.
O livro inclui atividades a serem desenvolvidas por professores ou pelos pais. De que maneira funciona essa interação?
Temos uma seção ao final do livro chamada “Miniurbanista”, com oito propostas de atividades que instigam o olhar para o espaço urbano e para a cidade. Elas podem ser feitas com os pais ou cuidadores, ou por professores do ensino fundamental com os alunos. A ideia é que a conversa sobre as cidades se expanda para além do livro e passe a ser feita com os pais e dentro das escolas no dia a dia.
Como tem sido a recepção por parte do público?
Tem sido incrível. O frio na barriga quando lançamos o primeiro projeto no Catarse, em 2016, era enorme. Era um projeto grande e audacioso pelas características de um livro de 80 páginas inteiramente ilustrado e com conteúdo especializado. Mas sentimos que as pessoas se apropriaram do projeto e viram no “Casacadabra” algo de que sentiam falta.
Em 2018, com o novo livro, desta vez sobre espaços públicos, também tivemos uma resposta muito boa. Durante esses dois anos, recebemos vários retornos de pais dizendo que os filhos não param de ler o livro, com fotos das crianças fazendo as atividades propostas.
Muitos professores do ensino fundamental também se inspiraram no livro para começar a criar atividades envolvendo arquitetura, e soubemos de escolas de arquitetura que começaram a estudar o ensino da área para crianças após conhecer o primeiro “Casacadabra”. É emocionante ver que um projeto que começou de um sonho está conquistando tantas pessoas.
Serviço: Casacadabra – Cidades Para Brincar. Bianca Antunes e Simone Sayegh. Ilustrações de Luísa Amoroso. Pistache Editorial; 80 págs. R$ 70.