Estilo & Cultura

Santa Felicidade comemora 140 anos de fidelidade às suas tradições

Aléxia Saraiva
05/11/2018 12:37
Thumbnail

A centenária Casa dos Arcos em foto atual. Foto: Aniele nascimento/Gazeta do Povo | Gazeta do Povo

A colônia que eterniza em Curitiba as tradições italianas completa, neste mês, 140 anos de existência. E, mais do que isso, de resiliência. O bairro de Santa Felicidade, sinônimo local de boa gastronomia, em 1878 era apenas uma região afastada do centro da cidade quando 14 famílias italianas compraram ali terras para cultivo. Vindos de um navio com 900 imigrantes saídos de Gênova no ano anterior, eles desembarcaram em Paranaguá e subiram a Serra do Mar em busca de um local fértil em que pudessem se estabelecer, em uma época em que Dom Pedro II, ainda imperador, abraçava imigrantes para povoar o território brasileiro.
O nome do bairro tem sua origem nessa época. O terreno adquirido pelos colonos pertencia a três irmãos: Antônio, Arlindo e Felicidade Borges, que pediram aos novos moradores que mantivessem na memória o nome da única mulher do trio. As fortes tradições católicas dos imigrantes logo adicionaram o ‘santa’ à frente do nome.
Santa Felicidade abastecia Curitiba. Foto: Casa da Memória/reprodução
Santa Felicidade abastecia Curitiba. Foto: Casa da Memória/reprodução

“Trabalhar, comer bem e rezar”

O lema que guiou a vida dos colonos nas primeiras décadas em Curitiba refletia o seu modo simples de vida. O tripé influenciou as primeiras mudanças feitas no local. Em 1880, foi pedida ao governo a abertura da Estrada Colônia Cidade, ligando os imigrantes ao centro — e que hoje é parte da Avenida Manoel Ribas.
Na sequência, em 1887, novas famílias vindas de Vêneto e Mântova chegaram à região. Esse foi o marco de inauguração de outra das tradições que permanecem até hoje: a fabricação do vinho. A família Strapasson foi quem passou a executar, ali, todo o processo: da colheita da uva ao engarrafamento, em dias que começavam às 4 da manhã e se encerravam ao fim da tarde, quando as carroças voltavam das vendas.
Registro das primeiras festas no bosque São Cristóvão. Foto: Casa da Memória/reprodução
Registro das primeiras festas no bosque São Cristóvão. Foto: Casa da Memória/reprodução
O período também marcou a chegada dos italianos que trabalhavam com vime. A arte de manejar esse material passou da função prática de amarrar a parreira para o artesanato, transformando-o em novos produtos, como cestas.
Estas foram características cultivadas entre os moradores que se estabeleceram na região muito antes do que atualmente detêm sua fama. Os grandes restaurantes italianos chegaram apenas a partir da década de 1940: primeiro veio o Restaurante Iguaçu; em 1952, o Cascatinha; o Madalosso foi inaugurado só em 1964 e o Veneza, 1965.
Casa das Arcadas é símbolo do bairro. Foto: Casa da Memória/reprodução
Casa das Arcadas é símbolo do bairro. Foto: Casa da Memória/reprodução
As informações são do livro “Santa Felicidade, Cascatinha, Butiatuvinha, São João e Lamenha Pequena”, que integra a coleção Bairros de Curitiba e têm sua história contada pelos jornalistas Eduardo Emilio Fenianos e Sergio Sade.

A arquitetura italiana

As primeiras conquistas dos imigrantes são visíveis na região até hoje, como é o caso da Igreja de Santa Felicidade, um dos marcos da colônia. Como a religião católica era um pilar fundamental para a vida dos italianos, eles se uniram para construir, juntos, a primeira capela da região. Feita em madeira, ela foi inaugurada em 1882. Em 1891, passou por uma grande reforma, com a ajuda de 150 famílias da região, e reabriu para a noite de Natal. Em 1903, a igreja ganhou a característica torre e seu sino.
A Igreja Matriz Sao Jose de Santa Felicidade esta passando por obra de restauracao. Foto: Hugo Arada/Arquivo/Gazeta do Povo
A Igreja Matriz Sao Jose de Santa Felicidade esta passando por obra de restauracao. Foto: Hugo Arada/Arquivo/Gazeta do Povo
Outros marcos da arquitetura italiana no bairro são a Casa das Arcadas — casa centenária de alvenaria, com arcos característicos—, a Casa das Pinturas — ornada com diversas pinturas na parede frontal — e a Casa dos Gerânios. A última, construída pela família Boscardim em 1905, tem paredes de pedra com 50cm de espessura e até o hoje marca o início da história do bairro.
No entanto, para além da arquitetura, do artesanato e da gastronomia, o que permanece como herança é a essência colona, celebrada neste mês de aniversário. Resumido, em uma frase: suomo tutti buona gente.

LEIA TAMBÉM