Estilo & Cultura
Roteiro imperdível, Veneza preserva o melhor da arquitetura medieval

A Ponte do Rialto, sobre o Grande Canal, e o vaivém de turistas e barcas que mantêm o comércio local. Foto: Bigstock
Despertar com o movimento das águas. Assistir à primeira missa do dia na igreja San Pietro del Castello. Pegar o barco e comprar sardinhas frescas no mercado Rialto. Depois, parar na taverna para provar um aperitivo. Esse roteiro poderia ter sido feito tanto pelo famoso conquistador Giacomo Casanova, no século 18, como hoje, em pleno século 21, por um turista da Era Digital. Viajar através dos séculos sempre fez parte do imaginário humano, e Veneza funciona como uma cápsula do tempo para transportar os tripulantes.
Até hoje, a cidade se apresenta como foi criada: em ouro e pedra. Por ela, desfilam mestres da pintura renascentista, como Tintoretto, além da arquitetura clássica de Andrea Palladio, embalada pelas composições de Antonio Vivaldi. Não é à toa que recebeu o título de Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. Na “Veneza medieval do século 21”, a opulência dos tempos de cavalaria convive pacificamente com imensos saltos no tempo, chegando a 2016, com a Bienal de Arquitetura. Já o espaço físico da cidade obriga a se planejar na hora das compras. E, para ter certeza de que tudo ali vai permanecer como tal, especialistas criam peças únicas para reconstituir ambientes de época.

Arte e taverna
Ao longo da História, a Sereníssima República, como era chamada na Idade Média, construiu seu alicerce artístico em pinturas como as de Tintoretto (Resurrezione di Cristo), disponíveis na Gallerie dell’Accademia, no Sestiere di Dorsoduro (a entrada custa entre 6 e 15 Euros, dependendo da faixa prioritária do público). Mas, se a ideia é atravessar os séculos a céu aberto, dá pra fazer a feira no mesmo lugar que abastece a cidade há mais de mil anos: o mercato Rialto.

Por ali, mercadores começaram a trazer novidades da Ásia já no século 11. Outra construção histórica é a igreja San Pietro del Castello, uma das primeiras da cidade: tem fachada dividida em três partes, na qual a central se apoia em quatro semicolunas. Projetada pelo arquiteto Andrea Palladio (século 16), a obra apresenta forte referência da arquitetura renascentista italiana.
E se der fome, intervalo na taverna mais antiga da cidade, a Cantina do Mori, no Sestieri San Polo. Por ali, desde 1462, a clientela se acaba no pão com baccalà mantecato – creme de bacalhau batido com manteiga (a 1,80 Euro cada unidade).

Porém, além de olhos e estômago, essa viagem secular alimenta também os ouvidos. “A cidade tem um código genético que vai além do tempo”, é a mensagem que abre o programa do concerto de violinos “Interpreti Veneziani”, na antiga igreja San Vidal, hoje transformada em sala de música de câmara, ali pelas bandas da Piazza San Marco.
O local tem estilo palladiano (em referência ao arquiteto Andrea Palladio) e traços antecipados da arquitetura neoclássica europeia. Tudo isso assim, como se fosse uma simples sessão de cinema. Entretanto, quando se fecham as portas e os instrumentos entoam “As Quatro Estações”, de Vivaldi, a mente viaja, o corpo flutua e é impossível não se sentir um legítimo membro da corte barroca, independentemente de o espectador ser o galante Casanova ou um turista do século 21.

Bienal e escadarias
Na verdade, são muitos os turistas de hoje que poderiam ter feito o roteiro de Casanova. Segundo a APT – Azienda di Promozione Turistica della Provincia di Venezia, órgão vinculado à administração pública, só em 2015, a cidade recebeu mais de 33 milhões de turistas, quase um terço deles seduzidos por atrações artísticas como a 15ª Bienal de Arquitetura de Veneza, que acontece entre maio e novembro de 2016, com ingresso entre 16 e 24 Euros. Este ano, o evento vem com o tema Reporting from the front, trazendo obras que possam melhorar a vida de cidadãos comuns.
Aliás, os cidadãos comuns de Veneza têm um estilo de vida nada comum, imposto pelo próprio espaço físico do lugar, onde não circulam carros. A rotina permite interromper o trajeto para conversar com um amigo, sem se preocupar com o preço do estacionamento ou a multa. Contudo, tarefas simples, como fazer compras, requerem precauções: adquirir tudo aos poucos, em pacotes pequenos. Isso facilita o transporte pela cidade, que mantém suas seculares escadarias e pontes, e a chegada em casa, considerando que a maioria das residências venezianas – construções históricas – não tem elevador.

E se Casanova resolvesse se hospedar por ali hoje, talvez não sentisse tanta diferença de sua casa original, graças a um trabalho minucioso de reconstituição de época. Por meio de um processo de envelhecimento de mobiliário, especialistas do ateliê Porte Itália utilizam um método de pintura muito antigo, sob uma base de gesso, para reproduzir o design de peças do século 18. Essas peças são decoradas com desenhos inspirados em objetos de escavações arqueológicas, como as ruínas do fórum romano e da cidade de Pompeia. Design do século 18, arquitetura clássica, taverna medieval, sala de música barroca. Escolha seu portão de embarque e boa viagem.

* especial para HAUS