Estilo & Cultura
Desvende Curitiba de ponta a ponta
De norte a sul , de leste a oeste. Os quatro cantos de Curitiba. Esta é a chaminé que restou de uma olaria que funcionou até cerca de 15 anos atrás no extremo oeste de Curitiba. Foto: Letícia Akemi / Gazeta do Povo | Gazeta do Povo
Curitiba, como quase toda grande cidade, tem contrastes na formação de seus bairros e na ocupação de seus espaços. Há um centro que pulsa economicamente e bairros adjacentes com uma ocupação urbana reconhecidamente mais ordenada.
E há também a Curitiba que acontece em seus pontos mais extremos. Movidos por essa curiosidade e para celebrar todas as “Curitibas” neste aniversário de 324 anos, HAUS foi em busca das histórias que existem nos limites mais ao norte, sul, leste e oeste da capital.
Os cavalos do sul
John Lenon e o pai moram no Brasil. Mais especificamente no ponto extremo ao sul de Curitiba, bem na divisa com Fazenda Rio Grande, em um sítio. Há 35 anos João Luiz Souza de Lima, de 55, pai de John, chegava por essas bandas, vindo de São Mateus do Sul.
A casa deles fica exatamente no fim do bairro da Caximba e da Estrada Delegado Bruno de Almeida, no encontro dela com o rio Iguaçu. Esse é o ponto que o supervisor de informações do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), Oscar Ricardo Macedo Schmeike, anuncia como extremo sul da capital, por meio da exatidão do programa de geoprocessamento ArcGis. Depois de passar pelas indústrias e comércio da Linha Verde e da BR 116, a paisagem muda. “Se os cachorros não latissem e o galo não cantasse, não haveria barulho por aqui”, diz João.
Do sítio, é possível ver a tríplice fronteira: Curitiba, Fazenda Rio Grande e Araucária. Nos fundos, o rio Iguaçu, que deixaria tudo ainda mais bucólico não fosse a poluição. “Já pesquei aqui. Agora, não dá mais”, lamenta ele. O sítio oferece serviço de adestramento e abrigo de cavalos. “Quem tem um cavalinho pode guardar aqui.” John Lenon é o principal adestrador.
Hora do leite é só uma lembrança no norte
O clima no norte não é tão campestre assim. O ponto exato fica no encontro da rua José Bajerski com o contorno rodoviário, no Abranches, bem na divisa entre Curitiba e Almirante Tamandaré. Ali está uma casa amarela e antiga, em que vive desde que nasceu o bombeiro Reinaldo Bajerski, de 51 anos. Ele e a rua compartilham o mesmo sobrenome. “Quando meu pai morreu, há mais ou menos dez anos, renomearam a rua em sua homenagem”.
Polonês, o pai de Reinaldo veio ao Brasil ainda criança, acompanhado dos pais e de um irmão. Eles se instalaram no Abranches, onde o casal teve mais nove filhos, que ajudavam na produção dos laticínios que eram vendidos na feira do Largo da Ordem. Já crescidos, os filhos receberam do patriarca lotes na vizinhança, onde formaram suas famílias. A de Reinaldo foi se instalar justamente no ponto extremo norte.
Meio ambiente bem cuidado no leste
No ponto mais ao leste de Curitiba são tratados, todos os dias, quase 129 milhões de litros de esgoto, que escoam no rio Atuba e, mais tarde, no rio Iguaçu. Desde 1998, há uma estação da Sanepar no fim da rua Luiz Lara Fernandes da Penha, onde o bairro Cajuru encontra o município de Pinhais.
Ao lado da empresa, João Maria mantém seu pequeno ponto de coleta de lixo reciclável, que recebe cerca de 20 mil quilos de plástico por mês, além de mais de 12 mil quilos de ferro. “É o nosso jeito de cuidar da natureza”, diz.
Carrinheiros da região passam todos os dias no local para deixar suas coletas. Alguns levam tudo separado, para receber um pouco mais de dinheiro em troca, segundo João, mas a maioria deixa o lixo misturado, a cargo da inspeção minuciosa dele e de dois de seus filhos: Roberto, de 33 anos, e Diego, de 26. Cabe a eles separar o que serve, para encaminhar a compradores maiores.
Carrinheiros da região passam todos os dias no local para deixar suas coletas. Alguns levam tudo separado, para receber um pouco mais de dinheiro em troca, segundo João, mas a maioria deixa o lixo misturado, a cargo da inspeção minuciosa dele e de dois de seus filhos: Roberto, de 33 anos, e Diego, de 26. Cabe a eles separar o que serve, para encaminhar a compradores maiores.
A chaminé misteriosa do oeste
Na Rodovia do Café, depois da Cidade Industrial e do São Braz, em uma ponte sobre o rio Passaúna, antes de chegar a Campo Largo, fica o extremo oeste da capital. Entre uma fábrica e outra está uma pequena comunidade do bairro Passaúna. Uma misteriosa árvore parece assistir a tudo o que acontece do topo de uma chaminé solitária, o que restou de uma olaria que funcionou até cerca de 15 anos atrás. Como a árvore foi parar ali é motivo de palpites. “Deve ter terra, o que fez germinar”, dizem alguns.
Por dez anos a olaria foi o local de trabalho de Lourival Batista, de 63 anos, que vive no lado curitibano da pequena comunidade. Ao chegar de Tibagi em 1968, instalou-se por ali e conseguiu serviço na empresa. Até 1978 trabalhou com o pai, carregando lenha para os fornos e queimando tijolos. Conheceu a esposa, Cecília Batista, por intermédio de um colega, irmão dela.
Até hoje ele e a mulher vivem no bairro, em uma casa que construíram há cinco anos, em meio a pés de laranja, mimosa e limão, com fundos para a rodovia. “Por aqui, a cidade parece que parou de crescer”, diz Lourival. Talvez seja um truque da misteriosa árvore no topo da chaminé para manter seu segredo.
A mesma Rodovia do Café e a chaminé com árvore formam a vista de segunda a sexta do servente de pedreiro José Roberto Andreis, de 52 anos, quando ele espera, às 6 horas da manhã (do lado de Campo Largo), o ônibus para ir ao trabalho na capital. Rio-grandense criado em Antonina, mora há quase dez anos no bairro Passaúna. Sobre esperar o ônibus quase no extremo oeste da cidade, ele ri: “Sabia que aqui era a divisa, mas não que era um ponto extremo.”
Lourival e José Roberto não sabiam, no dia destas entrevistas, que o Bar e Mercearia Vera, ponto de compras e encontros dos moradores da região há mais de 25 anos, vai fechar. “É pela crise. Futuramente talvez eu volte a abrir. Ainda não contei a notícia. Os moradores vão ficar tristes”, diz a dona, Vera Lúcia Vargas Dorneles, de 48 anos, que vai manter o emprego na área de higienização de hospitais. Fonte com a qual ela criou os três filhos e uma verdadeira “mão na roda” para todos, a mercearia atendia até quando não estava atendendo. “Às vezes, depois do horário, as pessoas vinham aqui no portão buscar açúcar, farinha.” Vão sentir falta dessa comodidade.
*Especial para a Gazeta do Povo