Estilo & Cultura
As histórias de Walton Wysocki, o artista das memórias e dos materiais do cotidiano

Walton é conhecido no cenário local como o “homem dos cavalos”. Na foto, o artista e sua escultura de sucata. Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo | Gazeta do Povo
A velha senhora nunca deve ter se dado conta, mas os louros são todos dela por incentivar o desenho naquele guri de seis anos. Nas horas vagas ele costumava desenhar sobre o balcão do armazém de secos e molhados da família. Tudo que passasse na rua virava motivo para pegar no lápis: cachorro, cavalo, criança. Mas nada se comparava ao momento em que aquela anônima de cabelos grisalhos chegava, entregava a lista do que queria e impunha uma única condição: os produtos tinham de vir embalados nos desenhos do garoto. Foi a primeira admiradora dos trabalhos de Walton Wysocki. E foi ali que a criança se deu conta de que fazia e para sempre gostaria de fazer arte.
Como viver de arte não era uma realidade possível e pintar ainda era “coisa de safado”, fez carreira na Companhia Telefônica Nacional como desenhista. Passou anos elaborando e executando à mão livre pôsteres de filmes para cinemas de rua e peças de publicidade para vitrines de lojas. Resumo da ópera: Walton se tornou uma luz da arte paranaense. Vendeu mais de três mil obras.
Mas em certo ponto o artista plástico curitibano decidiu largar os pincéis e as tintas. Passou a usar a fumaça das chamas de tabletes de cânfora para criar suas telas. “A fuligem me sugere a figura e depois eu só vou dando forma”, conta o artista plástico. “Não existe mão humana que conceba isso: esse clima, esse drama, esses tons.” Virou sua marca registrada.

Nessa aventura de moldar a fuligem como um escultor que retira o excesso de rocha, deu vazão a mais uma lembrança da infância que nunca o abandonou: Carioca, seu cavalo árabe branco. E então começou a dar vida a verdadeiros cavalos de fogo. “Só que sem os olhos e as orelhas”, brinca, ressaltando que esses elementos não fazem falta. E não fazem mesmo. Ficou conhecido como o “homem dos cavalos”.
Redescobrindo o mundo
Mas uma hora perdeu o barato. Aquela maneira de criar não lhe satisfazia mais da mesma maneira. Foi quando começou a ver poesia onde todo mundo via apenas lixo: palito de picolé, cabide, bandeja de bolo, tampinha de suco, barbante, papel de bala, vassoura de piaçaba desfiada. Redescobriu o mundo. Reinventou-se. Passou oito anos recluso, como uma lagarta que se fecha no casulo. “Só criando”, como ele mesmo diz. Produziu mais de 100 obras. Todas dedicadas a resgatar a cultura indígena, com a licença poética de vez ou outra se dedicar à arte religiosa.



Aproveitou e vestiu sua casa com as obras. Inundou cada cantinho com milhares de suas criações. Nunca uma residência transpirou tanto a alma de seus moradores. E é isso que a torna única. O casarão projetado na década de 1970 pelo arquiteto curitibano Rodolfo Doubek segue a estética modernista, com bastante cimento aparente, um pé direito monstruoso de sete metros, domos de fibra de vidro e grandes panos de vidro. Mas passa quase despercebida por ficar espremida entre duas grandes construções da Alameda Princesa Izabel, no Bigorrilho. A fachada flerta com o neocolonial ao dar expressão a rochas naturais. No interior, destaque para dois jardinetes que ladeiam a sala de jantar, o coração da casa. A morada conta ainda com um amplo espaço verde inspirado nos jardins italianos, que ficam escondidos da rua para resguardar a privacidade dos moradores.




O que poucos reparam é que por trás de cada traquinagem de Walton está Nair. Sua esposa Nair Wysocki é inclusive coautora de muitas de suas obras. Mas ela não gosta de admitir. “Ele faz, eu só penduro. Ele não sabe pendurar quadros”, caçoa. Seu negócio é ficar na coxia e deixar o Stan Lee da casa brilhar. Isso mesmo. Quem encontra com ele pode até confundi-lo com o grande criador de quadrinhos que deu vida aos universos de O Incrível Hulk. Os óculos de aviador não deixam margem à dúvida. Se um dia passar por lá, “não deixe de trazer papel de bala”. Walton e Nair agradecem.
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