Estilo & Cultura
Igreja centenária acolheu doentes em uma das piores epidemias que Curitiba viveu
Com ar neoclássico, a igreja Presbiteriana da Comendador Araújo apresenta arco-pleno na fachada e capitéis nas colunas, preservando o projeto original. Foto: André Rodrigues / Gazeta do Povo | Gazeta do Povo
Há 122 anos a Igreja Presbiteriana de Curitiba assiste ao que acontece na Rua Comendador Araújo. Desde que foi levantada, em 1895 – quando ficava “longe” do centro da cidade -, presencia momentos que ajudaram a construir a história de Curitiba e do Paraná, “bem debaixo de seu nariz”.
Como ficava em uma das estradas de acesso ao centro, viu o vai-e-vem de carroceiros que levavam produtos ao Mercado Municipal, localizado na Praça Generoso Marques no final do século 19. Diversos carregamentos de erva-mate passaram em frente a suas portas. Durante a epidemia de gripe espanhola, em 1918, abrigou doentes de Curitiba que já lotavam os postos de atendimento oficiais.
Hoje, vê carros, pedestres apressados com um olho na calçada e outro no smartphone, lojinhas que vendem de tudo, bancos, restaurantes e bares. “Ela está localizada em uma rua multiuso, rodeada de uma mistura de épocas e estilos. Sentimos que estamos em uma rua moderna e, ao mesmo tempo, tradicional”, afirma o arquiteto e professor da PUCPR, Salvador Gnoato.
Arquitetura
Os presbiterianos norte-americanos chegaram ao Brasil por volta de 1859. No final dos anos de 1880, Curitiba já tinha seu grupo de fiéis, que ajudaram a levantar a Igreja Presbiteriana de Curitiba, primeira da cidade, seguindo o projeto do construtor Carlos Neumann. “A maioria das igrejas desse período no Brasil são ecléticas, por conta dos imigrantes europeus”, afirma a arquiteta e urbanista Aline Bandil, especialista em restauro de igrejas.
Não foi diferente com a igreja da Comendador. Levantada com ares neo-clássicos, apresenta arco-pleno na fachada e capitéis nas colunas, denotando influências romana e grega. A torre ficou incompleta, por falta de recursos, e assim permanece até hoje. Ao lado, uma casa adquirida pela igreja na década de 1960 esbanja uma estética rural típica, com lambrequins. Hoje, chamado de Edifício Reverendo George Anderson Landes, em homenagem ao primeiro pastor da igreja, o local abriga a área pastoral e de administração.
Gripe espanhola
A igreja não possui foto ou texto que comprove, mas o registro oral dá conta de que a Casa Pastoral, erguida em 1916, serviu de ambulatório improvisado para receber pessoas acometidas pela gripe espanhola entre 1918 e 1919.
Juarez Marcondes Filho, pastor titular desta igreja e secretário-geral da Igreja Presbiteriana do Brasil garante o ocorrido. “Provavelmente fiéis médicos ajudaram no acolhimento. Foi algo emergencial, não oficial. Estávamos próximos ao Centro e houve um apelo”, explica.
E não há motivos para duvidar, como bem aponta o historiador e arquiteto Irã Taborda Dudeque, professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). “A epidemia superlotou a Santa Casa, os cemitérios. Foi um desespero geral. Todos os lugares possíveis eram usados para internar os doentes”, afirma.
De fato a gripe dizimava a população de Curitiba. Em sua edição do dia 11 de novembro de 1918, o jornal curitibano Diário da Tarde publicou o seguinte: “Como fácil será verificar, não há casa onde não se encontre ao menos uma pessoa doente, sendo que em algumas delas, e isso em grande número, todas as pessoas se acham acamadas”. Em relatório de Trajano Reis, diretor do serviço sanitário do estado na época, publicado no periódico, constava que até o início de 1919 mais de 45 mil habitantes de Curitiba e subúrbios estavam infectados pela gripe espanhola. Isso significa que mais da metade da população local, que na época era de 73 mil, contraíra a doença.
Hoje, a Igreja Presbiteriana de Curitiba é uma unidade de interesse de preservação (UIP) cravada em uma rua cujo conjunto urbano é tombado pelo Patrimônio Estadual desde 2004. O arquiteto Gabriel Celligoi sintetiza a importância do edifício. “Hoje a região tem movimento intenso. A igreja é uma lembrança de como era a vida mais de 100 anos atrás. Sua presença é uma forma de preservar a história”.