Estilo & Cultura
Quatro gerações tocam olaria que ajudou a construir Curitiba
Fotos: Hugo Harada/Gazeta do Povo | Gazeta do Povo
Ao passar pelo Umbará, bairro ao sul de Curitiba, é impossível não olhar para o céu em busca das tradicionais chaminés das olarias. Conhecido como o berço da tijolaria, o bairro viveu seus anos dourados nas décadas de 1970 e 1980, fornecendo material de construção civil para toda a região.
Hoje essas chaminés não fazem mais parte da paisagem. O número de indústrias diminuiu e a chegada de novas tecnologias modificou o modo de trabalho, atualmente mais sustentável, menos poluente e sem a necessidade das clássicas chaminés. Mas o lugar respira história, como a da família Pilato.
A Cerâmica Duas Palmeiras recebeu esse nome em 1980, mas produz tijolos desde 1953, quando os irmãos João Fortunato Pilato e Cândido Carlos Pilato abriram sua primeira olaria, em um endereço diferente de onde está hoje, no número 8.410 da rua Nicola Pellanda. Para Alvir Antonio Pilato, neto de João, a localização era ideal: “A região é boa para a cerâmica, já que é uma área de várzea e próxima do Rio Iguaçu, onde a matéria-prima era abundante”.
Com a tecnologia disponível à época, quanto mais pura fosse a argila, melhor. Ainda assim, em épocas de chuva, o rio enchia e atrapalhava sua extração. Além disso, nas primeiras décadas, a produção só acontecia no verão, pois o frio fazia os tijolos racharem e transformava o óleo que substituía a madeira em uma graxa que não queimava. As dificuldades faziam parte do dia a dia.
Antonio Dirceu Pilato, pai de Alvir, conta que eles fabricavam tijolos de dois furos e tudo era feito no amassador, manualmente ou com auxílio animal. Do cavalo, foram para o diesel e dele, para a energia em uma máquina mais sofisticada, a maromba. Com os fornos de hoje, eles produzem com o que sobra de outras extrações, um material mais arenoso. “Mas não tem problema, pois temos a tecnologia para lidar com ele”, afirma Alvir.
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De pai para filho
A fabricação de tijolos na Cerâmica Duas Palmeiras está na quarta geração. O que começou com João Fortunato foi para Antonio Dirceu, passou para Alvir Antonio e hoje está chegando em Dirceu Victor, que tem 27 anos e trabalha na olaria com o pai e o tio. O conhecimento também foi passado de pai para filho: “Como as coisas eram bem diferentes, meu avô aprendeu tudo na marra, o que dava certo ou não dava, e qual o melhor material. Hoje, os fornos fazem tudo e utilizamos o conhecimento para definir o que queremos produzir, e como”, conclui Alvir.
Dirceu conta que sua toda a sua família, que veio da Itália, trabalhou na fabricação de tijolos. E o bairro inteiro era assim. “Família grande trabalha em olaria para ter pouquíssimas despesas. Tudo era manual ou animal. A matéria-prima, a gente buscava no rio. A madeira para o forno, era da região – coisa que hoje não é mais possível. Só o transporte era complicado, pela falta de estrutura”, explica. Dirceu trabalhou na olaria da família desde os 11 anos; saía da escola e ia direto para lá. Já sua esposa trabalhava em uma fábrica próxima, e eles se conheceram “por aí”. A atividade era familiar e todo mundo participava.
Um pouco para cada lado
A destinação dos tijolos mudou conforme os anos foram passando e as possibilidades de transporte, melhorando com o tempo. No início, a produção da Cerâmica Duas Palmeiras fez parte da construção do bairro e a demanda foi aumentando. Nos anos 1970, os tijolos construíram Santa Felicidade e partes do estado, especialmente a cidade de Pato Branco. Dirceu conta que até hoje tem amigos na cidade, com quem negociou naquela década.
Atualmente, a olaria funciona com uma produção menor do que a sua capacidade. “Hoje não compensa fazer uma grande produção de tijolos, o custo de produção está muito alto. Por isso, fazemos um produto mais fino, destinado para revestimento, que é o que vemos em estabelecimentos que têm tijolo aparente”, explica Alvir. Para eles, é esse produto que rende atualmente. Ainda assim, o conhecimento do ofício é o que faz a diferença na hora de produzir, e segue sendo o mesmo adquirido por João e Cândido na década de 50.
Um bairro de história
O professor Marcos Afonso Zanon, autor do livro “Oleiros do Umbará”, explica que a atividade na região foi crescendo conforme o mercado do café se intensificou no Paraná. “Entre as décadas de 1950 e 1970, ocorreu o crescimento da cidade, movimentando o setor imobiliário, e a demanda por tijolos aumentou muito. Foi a era de ouro das olarias”, conta.
Os bairros do sul de Curitiba, como Jardim das Américas, Portão e Pinheirinho, além do próprio Umbará, foram construídos com os tijolos dessas olarias, afirma o professor. Assim como grandes obras públicas como o Centro Cívico, o Teatro Guaíra e a Biblioteca Pública do Paraná. “A história de Curitiba e a das olarias do Umbará se confundem, e uma não existe sem a outra”, conclui Marcos.
*especial para HAUS