Estilo & Cultura
Histórias de quem deixou a cidade por uma casa dos sonhos no campo
Com projeto de Marcos Bertoldi, residência é minimalista, sofisticada e discreta – ou seja, sem grandes impactos no entorno. Foto: Fernando Zequinão/ Gazeta do Povo
Durante 38 anos, desde que se casou, a ceramista Cristina Abdo manteve um ritual que se repetiu a cada início de ano, em todas as cidades onde morou: procurar a casa dos seus sonhos. Foi assim em São Paulo, Belo Horizonte e Curitiba. Em 2007, quando já morava há uma década e meia no burburinho do Bigorrilho, Cristina finalmente encontrou o tão sonhado canto em uma chácara de Campo Largo, a 30 km da capital. “Eu já estava me contentando com um terreno de 420 m² no Barigui quando achamos este, de 14 mil m². Era simplesmente perfeito”, lembra.
A ideia de mudar tomou corpo quando o imóvel alugado no Batel, onde ficava seu ateliê, precisou ser entregue ao proprietário. “Montar um ateliê de cerâmica é um grande empenho, então eu decidi que era hora de ter o meu espaço próprio, não mais alugado.” Somado a isso, o casal antecipava uma fase que estava por vir: com os filhos criados e casados, Cristina e o marido Ovídio Maia não queriam uma vida “sem graça” dentro de apartamento. “Queríamos arranjar ‘sarna para se coçar’, cuidar de horta e de cachorro, ter afazeres domésticos que nos dessem mais trabalho para nos sentirmos jovens enquanto vamos envelhecendo.”
A orientação ao arquiteto Marcos Bertoldi foi simples, porém sofisticada: seria uma casa leve e discreta, com muita luz, que interferisse minimamente no entorno e emoldurasse a paisagem, criando quadros de onde quer que se olhasse. Vidro, concreto e madeira no piso foram os materiais utilizados na construção, que levou cerca de um ano para ser concluída. A casa de 250 m² segue uma estética modernista brasileira, mas há referências mouras – os pátios internos – e árabes – por conta das paredes com seteira.
Todo o paisagismo é assinado pelo casal, que plantou mais de duas mil árvores na região, de aroeiras, acácias e paus-brasis a mudas frutíferas, como romãs, figos e mexericas. Atualmente, além da produção em cerâmica, Cristina está desenvolvendo uma linha de móveis de jardim. Como o casal trabalha em home-office – Ovídio é consultor em TI –, são necessárias poucas viagens à capital. Já os filhos não perdem um almoço de domingo na casa dos pais. ”Gostamos de sentar à mesa e fazer dela uma eternidade”, filosofa Cristina.
No alto da colina
Uma casa de campo “rústica e singelamente bela”, térrea, cheia de sol, simples e com as dimensões justas era o sonho antigo dos argentinos Claudia Vega e Nei Zuzek, que moravam há 19 anos em Curitiba. A mudança do imóvel em Santa Felicidade para uma casa na zona rural de Campo Largo aconteceu na virada de 2014 para 2015, influenciada pela velha vontade de ter mais espaço verde ao redor e poder plantar e colher os próprios frutos.
O desafio inicial do projeto era captar a melhor iluminação e ventilação natural, privilegiando as vistas a leste (nascer do sol sobre skyline curitibano com a serra do mar ao fundo) e a oeste (pôr do sol sobre os campos coloridos e as torres das igrejinhas rurais de Campo Largo). A planta desenhada por Claudia – que além de arquiteta é professora de Yoga – organiza a casa em dois setores: a área social (que inclui cozinha, copa e sala com lareira) e a área privativa dos quartos e banheiros, com um hall separando ao meio o social do íntimo. A construção de 160 m² utilizou tijolos maciços, estrutura de madeira para o telhado aparente e enormes janelas antigas compradas na região. “Optamos por materiais naturais, reciclados e de pontas de estoque, com acabamentos rústicos. Contratamos uma equipe local que trabalhasse eficientemente com técnicas tradicionais, com o mínimo de intervenção industrial e desperdício”, conta. A casa foi erguida no prazo curtíssimo de três meses e meio. A cozinha integrada com a sala e a copa é um dos espaços preferidos do casal, mas Nei Zuzek revela que o lugar que mais ama fica fora da casa: os cerca de 10 mil m² de terreno onde ele pode “brincar de chacreiro”. “O contato permanente com a natureza descarrega todas as nossas tensões, abre uma perspectiva tão maior para tudo que os problemas cotidianos parecem insignificantes e a vida se amplia, ganhando outra dimensão”, reflete.
Para o casal, certos confortos da cidade ficaram longe, como lojas e restaurantes. “Não temos cinema, mas ganhamos dois horizontes”, brincam. A meia hora do centro de Curitiba, as distâncias nem são tantas, o que os permite continuar atendendo clientes e visitando amigos. Ao mesmo tempo, o ritmo das atividades de quem mora fora da cidade se alinha muito mais com os ritmos naturais e biológicos, na opinião deles, que agora dormem naturalmente mais cedo e acordam com o sol. “Não perdemos nada e ganhamos uma vida que é um verdadeiro luxo”, analisam.
Uma casa por acaso
Sair de Curitiba não estava nos planos iniciais da designer de interiores Bela Pagliosa e do diretor de cinema Henrique Faria. Porém, diante do preço “impraticável” do metro quadrado na cidade – sobretudo quando se está comprando o primeiro imóvel e é preciso financiar 100% do valor –, o casal precisou escolher: “Ao invés de morar perto do centro e morar mal, preferimos morar longe mas morar bem”. Depois de fazer cálculos e ver que o aluguel que pagavam no Centro Cívico era equivalente a pagar o consórcio de um imóvel mais afastado, deram início à mudança para o município de Piraquara, na Grande Curitiba. O fato de terem um cachorro e quatro gatos também influenciou na mudança. Mas o principal fator era ter um lugar próprio, livrar-se do aluguel e não depender do proprietário para fazer as melhorias que quisessem no imóvel.
Foram dois anos buscando uma oportunidade de negócio até encontrarem o terreno ideal, à margem de uma represa. O problema é que só havia o terreno, sem nenhuma benfeitoria. “Não era nossa intenção construir, nunca imaginamos que seríamos capazes de assumir tamanha responsabilidade, mas valia tanto a pena que nos jogamos”, lembram. Segurança e distância eram as duas preocupações, que se revelaram infundadas após algumas conversas com os vizinhos.
“Projetar a casa foi a parte mais divertida”, lembra Bela. Como o condomínio está enfiado na Serra do Mar, era preciso considerar as posições do sol, o vento, chuvas, umidade, calor. “Durante cinco meses, desenhamos diversas situações, formatos e estilos até chegar num resultado prático e simples. Como já havíamos gastado quase todas as nossas fichas na compra do terreno, começamos planejando uma casa provisória para nos acolher por mais ou menos dois anos, mas você começa a se apegar e não quer baixar suas expectativas, então o projeto foi sendo melhorado durante o processo e chegamos à conclusão de que seria a casa definitiva, mesmo sendo pequena”, contam.
O loft, pensado para um casal sem filhos, foi levantado por uma construtora especializada em casas de madeira, mas alguns itens foram acrescidos para deixá-la mais sofisticada e confortável, como janelas blindex de 8 mm para cortar o vento, aquecimento a gás, fogão a lenha, piso laminado e manta térmica no telhado. A casa tem três varandas. Da frontal é possível desfrutar a vista do lago, enquanto na dos fundos fica uma pequena horta que, futuramente, será fechada com vidros. Ao todo, são 74 m² de área útil, mas o terreno todo tem 5.200 m².
Para eles, o silêncio e o contato com a natureza são as grandes vantagens dessa mudança, que se deu por acaso – enquanto eram entrevistados para Haus, um bando de pica-paus-de-cara-amarela ciscava no gramado. Bela parou de fumar, o casal adotou mais dois cachorros, plantou um pomar e descobriu que, longe da cidade, o céu é mais estrelado. Mas eles admitem que morar afastado não é para qualquer um. “Vivemos um ano com internet 3G e esse período foi uma gincana, pois dependemos muito dela para trabalhar. Mas sobrevivemos. Hoje felizmente temos internet via fibra-ótica, o que facilitou a vida em home-office”, diz o casal, que jamais abandona o hábito de tentar convencer os amigos visitantes a se tornarem seus vizinhos.