Empresa familiar produz flores artificiais manualmente há 103 anos

The New York Times
26/06/2019 20:36
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Flores artesanais da M&S Schmalberg fazem sucesso no mundo da moda e da decoração há 103 anos. Foto: Vincent Tullo/The New York Times | NYT

O showroom e a fábrica da M & S Schmalberg fica em um prédio cinza no Garmen District, bairro de Manhattan com grande concentração de lojas e empresas do mundo da moda. São sete andares em cima de um estabelecimento da atacadista de roupas femininas Belma Fashions.
A Schmalberg, uma empresa familiar já em sua quarta geração, foi fundada em 1916 e fabrica flores artificiais a partir de seda e outros tecidos. Os clientes incluem designers de chapéu, estilistas, lojas de vestidos de noiva e grifes famosas como Oscar de la Renta, Ralph Lauren e Marc Jacobs.
Foto: Reprodução
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Suas flores já decoraram o híbrido de vestido e terno que Thom Browne fez para Zazie Beetz vestir no Baile de Gala do Met de 2019, as asas de anjo usadas por uma modelo no desfile da Victoria’s Secret e os uniformes dos colaboradores da rede de hotéis Marriott, que usam camélias de couro afixadas ao traje.
Em um ano, a Schmalberg fabricou 200 mil pétalas de seda minúsculas para Vera Wang costurar em vestidos da marca. Mais recentemente, a empresa criou folhas de couro para a vitrine da joalheria Harry Winston em Paris.
Mas, na era da moda instantânea e da terceirização, os negócios nas fábricas de flores de Manhattan não estão exatamente vibrantes. Michael Kaback, trabalhador da área aposentado e espécie de historiador não oficial da região, diz que, antes, havia mais de dez empresas fabricando flores artificiais. Hoje, a Schmalberg é a única sobrevivente.

Como funciona a produção de flores artesanais

Warren Brand, de 61 anos, é o presidente da organização e guia com orgulho os grupos de estudantes de moda que visitam o ateliê. Os estudantes impressionam-se ao conhecer “um unicórnio”, um resistente, um museu funcional de artes manuais à moda antiga.
Brand reúne os alunos em uma sala de montagem da fábrica. Lá, cinco mulheres, sentadas ao redor de duas mesas, cuidadosamente organizam, em camadas, pétalas de tecido, usando arame e cola de artesanato. Flores roxas e delicadas são arranjadas em pequenas linhas de arame; as flores finalizadas ficam penduradas, como roupas em um varal, para secar.
Foto: Vincent Tullo/The New York Times
Foto: Vincent Tullo/The New York Times
Brand costuma chamar atenção dos visitantes para a foto de um senhor pendurada em uma parede do espaço: é de seu falecido pai, Harold, nascido na Polônia e sobrevivente do Holocausto.
“Ele tinha dois irmãos, uma irmã, uma mãe e um pai. Todos morreram”, conta Brand, explicando como Harold Brand emigrou para os Estados Unidos depois da guerra e foi trabalhar na Schmalberg, fundada pelos tios. Por fim, Harold Brand comprou o negócio do qual ficou à frente até a década de 1980, quando Warren Brand e sua irmã, Debra, assumiram.
A família costumava ter uma loja na Rua 35. “Tínhamos, de um lado, um vizinho que fabricava botões. Do outro, um que vendia fios e linhas. E tinha ainda uma loja de zíperes”, recorda. “Hoje, você anda pelas ruas e tudo vem dentro de caixas, saídas de um barco, tudo feito na terra da imitação.”
Warren Brand e Adam Brand.<br>Eles cuidam da M &amp; S Schmalberg, empresa que há 103 anos faz flores artificiais nos EUA. Foto: Vincent Tullo/The New York Times.
Warren Brand e Adam Brand.<br>Eles cuidam da M &amp; S Schmalberg, empresa que há 103 anos faz flores artificiais nos EUA. Foto: Vincent Tullo/The New York Times.
O filho de Brand, de 35 anos, começou a trabalhar com o pai há nove. Observava tudo a certa distância. Entre as muitas funções do jovem, está a administração do marketing e das redes sociais, essenciais para encontrar clientes novos e jovens para compensar as contas perdidas.
Fazer flores artificiais requer, primeiro, força industrial. Normalmente, os clientes fornecem o material, como organza de seda acetinada ou veludo grosso, que é mergulhado em um balde de plástico contendo goma para endurecer tecidos e depois pendurado em um suporte de madeira para secar. O tecido já enrijecido é colocado sob uma máquina tipo guilhotina que vai marcar o molde para fazer o formato das flores, como um cortador de biscoitos molda a massa.
Máquina produz flores de couro na fábrica artesanal de Manhattan.<br>Foto: Vincent Tullo/The New York Times
Máquina produz flores de couro na fábrica artesanal de Manhattan.<br>Foto: Vincent Tullo/The New York Times
As pétalas finalizadas são então agrupadas em forma de tulipas, cravos ou outras variedades – mas, como Warren Brand diz, “nem tudo aqui tem a pretensão de representar com perfeição o universo da horticultura.”
Miriam Baez, de 70 anos, que supervisiona as montadoras de flores, começou na Schmalberg em 1979, após a fábrica de flores na qual trabalhava na Rua 14 ter se mudado para a Flórida. Um prodígio das artes manuais, Baez é quem ajuda designers de moda a realizar suas ideias. “Cheguei a me aposentar uma vez, mas continuo aqui. Não quero ficar em casa. Todos os dias faço algo novo aqui”, reflete.

Um ateliê americano

Quando Suzy Benzinger, uma figurinista que trabalhou em diversos filmes do diretor Woody Allen, estava trabalhando no lançamento de “Café Society”, longa-metragem de 2016 ambientado nos anos de 1930, ela foi direto à Schmalberg.
“Fui surpreendida quando cheguei lá. Não pela beleza das flores, mas pelo fato de haver mulheres em mesas fazendo as flores. Você está brincando comigo? Estamos falando de Nova York em 2019. Quero dizer, isso não existe mais”, relata Benzinger sobre a experiência.
Anne Hathaway na cerimônia do Oscar de 2008. Foto: Reprodução
Anne Hathaway na cerimônia do Oscar de 2008. Foto: Reprodução
Os designers da Marchesa, empresa especializada em roupas formais e para casamentos, contrataram a Schmalberg por muitos anos para a criação de adornos florais personalizados, inclusive para o memorável vestido usado por Anne Hathaway na cerimônia do Oscar de 2008, que trazia a alça do ombro coberta por rosas vermelhas de seda.
Anna Holvik, diretora de design da marca, comparou a fábrica a um ateliê francês especializado, como a Maison Lesage, casa de bordados em Paris. “Na indústria da moda, ou em qualquer outro meio criativo, as coisas estão mudando tão rapidamente hoje em dia que técnicas milenares são geralmente esquecidas. Trabalhar com pessoas que dedicaram uma vida inteira a manter vivo o ofício é realmente uma honra”, elogiou Holvik.
No começo dos anos 2000, enquanto estava no ar a popular série de televisão americana “Sex and the City”, Carrie Bradshaw, a protagonista ícone da moda, adornava os modelos que usava com broches ou apliques florais. Não demorou para as flores de tecido virarem moda.
A Schmalberg aumentou o número de funcionários, que passaram a trabalhar 60 horas por semana ou mais para poderem dar conta de atender às encomendas vindas de diversos varejistas. “Surfamos a onda e conseguimos manter os lucros”, disse Brand.

Camélias na Amazon

Não sendo mais capaz de depender apenas das grandes encomendas de marcas americanas de vestuário, a empresa vende flores para qualquer um, seja do mercado da moda ou não: para noivas e buquês de casamento; para as judias ortodoxas que gostam de aliviar o peso das roupas pretas; para a companhia de balé da Austrália usar no figurino; e até mesmo em lojas on-line como a Amazon, sendo o item mais notável um broche de camélia similar ao vendido pela Channel por 575 dólares (quase R$ 2.500). O da Schmalberg custa 20 dólares (R$ 82) e representa um item raro no mundo da moda: uma imitação barata, mas com alta qualidade de origem.
E há também o punhado de designers independentes, como Mina Mann, que, de vez em quando, dá um pulo na Schmalberg para procurar uma peça que possa usar, digamos, no bordado de um cobertor. Ann Claire, estilista de chapéus, esteve lá há pouco tempo comprando produtos para compor o alfinete de chapéu que estava produzindo para a adaptação da HBO do romance “Complô contra a América”, de Philip Roth.
Muito tempo, trabalho e dinheiro são necessários para criar um alfinete de chapéu para o figurino de um personagem que só será usado em uma cena rápida. “E provavelmente os telespectadores nem vão notá-lo”, lamentou Claire. “É o tipo de coisa que está morrendo. Mesmo assim, as pessoas fazem questão dessa qualidade, mas está cada vez mais difícil encontrá-la.”

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