Estilo & Cultura
Colapso do Iphan põe em risco patrimônio histórico do país
O Centro Histórico da Lapa é um dos conjuntos urbanos tombados pelo Iphan. Foto: Antônio More/Arquivo/Gazeta do Povo | Gazeta do Povo
Responsável pela salvaguarda do patrimônio material e imaterial brasileiro, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) está à beira de um colapso. A exemplo do que ocorre nos estados e municípios brasileiros, a restrição de verbas na esfera federal e a falta de mão de obra especializada tem comprometido a realização dos trabalhos do instituto e colocado quase que um prazo de validade para sua existência.
Quem deu o alerta foi a historiadora Kátia Bogéa, ex-superintendente do Iphan no Maranhão e atual presidente do instituto. Em audiência pública realizada no último mês de novembro na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, ela lembrou aos parlamentares que, nos 80 anos de existência do instituto, foram realizados apenas dois concursos públicos, o que levou o Iphan a ter 516 cargos vagos atualmente, decorrentes de aposentadorias, falecimentos e demissões voluntárias de funcionários.
Para cuidar de todo o patrimônio brasileiro, que contempla 87 Conjuntos Urbanos Tombados, 1.264 bens materiais tombados, 590 bens imóveis ferroviários valorados e mais de 26 mil sítios arqueológicos cadastrados, para citar apenas parte do patrimônio material, o Iphan conta atualmente com 678 servidores efetivos. Deste total, 457 estarão em condições de se aposentar já em 2021, o que resultará em um saldo de quase um mil cargos vagos, segundo nota encaminhada pelo Iphan. “Se nada for feito, a instituição simplesmente fechará as portas“, resumiu Kátia durante a audiência pública na Câmara dos Deputados.
Ainda de acordo com a nota, desde 2013 o Iphan tem encaminhado ao Ministério do Planejamento pedidos anuais para a abertura de novos concursos públicos. O último deles, entregue em 2017, era voltado ao preenchimento dos 516 cargos vagos. Não há, no entanto, previsão de data para que isto ocorra.
“É importante dizer que a [possível] autorização do concurso não estará criando cargos novos, mas apenas repondo a força de trabalho que o Iphan tinha anos atrás. Em saindo o concurso, estes 516 cargos se somariam aos dos atuais funcionários efetivos. Só que, nos próximos anos, boa parte deles irá se aposentar. Ou seja, [na perspectiva futura] o concurso estará basicamente recompondo esta força de trabalho“, ilustra o superintendente do Iphan do Paraná, José Luiz Desordi Lautert.
Orçamento
Durante a audiência pública, a presidente do Iphan, Kátia Bogéa, também destacou as restrições orçamentárias enfrentadas pelo órgão. O orçamento de R$ 250 milhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) das Cidades Históricas previsto para 2017, por exemplo, sofreu contingenciamento de 61%. “O orçamento finalístico em 2017 foi de R$ 17,6 milhões para uma demanda de mais de R$ 100 milhões”, exemplificou em entrevista à Agência Câmara de Notícias.
Mesmo assim, a falta de mão de obra especializada para a execução dos trabalhos e pesquisas realizados pelo Iphan é o principal problema e já chega a comprometer a realização dos trabalhos pelo órgão. Isso porque, segundo a nota encaminhada pelo instituto, faltam especialistas em conservação de bens móveis, antropólogos e bibliotecários, por exemplo.
“No Iphan do Paraná temos três arqueólogas, sendo uma concursada e duas temporárias. Para o final de 2018 a previsão é a de que não sejam renovados os contratos dos funcionários temporários. Então, ficaremos apenas com um arqueólogo para analisar as licenças ambientais que demandam a consulta do instituto”, ilustra Lautert ao destacar os prejuízos que a escassez da mão de obra irá acarretar sobre os licenciamentos para novos empreendimentos e a fiscalização do patrimônio histórico material e imaterial sob responsabilidade do Iphan.
Outras esferas
Atualmente, o Iphan-PR conta com sete funcionários efetivos e quatro cargos vagos na divisão técnica. No comparativo com outras superintendências, no entanto, há casos piores, apesar de nenhuma delas estar em situação confortável, como acrescenta Lautert. Ainda de acordo com o superintendente, os problemas decorrentes da falta de mão de obra e das restrições orçamentárias não recaem somente sobre o Iphan, mas são compartilhados também pelas demais instituições voltadas à preservação do patrimônio histórico e cultural, como a Coordenação do Patrimônio Cultural (CPC) do Paraná.
“Tem uma frase de que eu gosto que é a de que os últimos serão os primeiros. No nosso caso é mais ou menos por aí, pois somos os últimos a sermos lembrados quando [o governo] tem dinheiro e os primeiros cortados quando há previsão [de restrição orçamentária]”, resume o engenheiro civil Sergio Krieger, chefe da CPC.
Segundo ele, a coordenação tem solicitado ao governo que novos profissionais passem a integrar a equipe, mas não há previsão para que isto ocorra. Mesmo diante deste cenário, Krieger afirma que, apesar da equipe enxuta (cerca de 13 pessoas) e da dificuldade em realizar as fiscalizações referentes à manutenção do patrimônio, a coordenadoria tem conseguido atender suas demandas.
“Sou otimista e acredito que a situação de caos não vai existir. A Coordenação do Patrimônio Cultural e a Secretaria de Cultura são órgãos imprescindíveis para um governo. Creio que, até que chegue esse prazo final, serão feitas contratações e não será permitido que a coisa degringole”, projeta.