Estilo & Cultura
As histórias de dentro e fora das salas de aula do Júlia Wanderley
Na fachada, predomínio da horizontalidade de repetidos vãos, só quebrada pelo avanço de um volume que define a entrada. Fotos: Letícia Akemi / Gazeta do Povo.
O caminhãozinho improvisado estava abarrotado de coisas: azulejos quebrados, maçanetas sem salvação, objetos doados de bom grado. Tudo angariado às pressas para ser posto à venda e conseguir arrecadar algum dinheiro extra. Ou era isso, ou os consertos de que o Colégio Júlia Wanderley precisava não teriam vez. A professora Ana Lúcia Albuquerque, hoje com 60 anos, não pensou duas vezes. “Não havia fundo rotativo naquela época. Nós tínhamos que nos virar como podíamos para assegurar a manutenção da escola”, conta. A ideia acabou dando certo: daí saíram pinturas e algumas arrumações necessárias em 1990. Mas depois a brincadeira comeu solta entre os funcionários. “Ela tá vendendo umas velharias. Cuidado. Daqui a pouco vende até a gente”, relata Ana às gargalhadas ao relembrar os comentários.
De longe até dá pinta de dama de ferro. Culpa dos passos firmes e ligeiros, e das vestes impecáveis. Mas não passa de mera impressão. Acumula mais de 30 anos dentro da sala de aula, todos no Júlia Wanderley, referência em educação na cidade. Para Ana, a força do colégio está na comunidade, que também sempre viu a escola como uma fortaleza para todos os momentos. “A escola é um solo sagrado. Do portão para dentro, todos que trabalhamos aqui temos o dever de garantir bons momentos, com qualidade de ensino, compreensão e divertimento.”
Júlia ficaria contente em saber que seu legado continua. Sim, a famosa educadora Júlia Wanderley Petrich (1874-1918), que dá nome ao colégio. Ela foi a primeira mulher a participar presencialmente do curso da Escola Normal na capital, em 1893. Natural de Ponta Grossa, enfrentou os preconceitos de seu tempo contra a liberdade feminina e conseguiu matricular-se na Escola Normal, liderando um movimento para o ingresso de moças no educandário, como escreve a pedagoga Silvete Crippa de Araújo, em pesquisa desenvolvida na UFPR em 2010.
De tudo um pouco
Já chamaram o Colégio Júlia Wanderley de “a escola da estátua de nariz quebrado”. Por mais de 20 anos, na verdade. É que o busto de granito da professora que dá nome ao colégio teve a cara quebrada por um vândalo em meados da década de 1970 e só em 2009 foi restaurada. Logo depois a estátua esculpida por Erbo Stenzel (1911-1980) foi mutilada novamente. Recebeu um novo nariz em 2011, quando trocou o jardim da escola pelo hall interno. A proteção entre quatro paredes aumentou a segurança da estátua, mas não evitou piadas. O nariz se tornou ligeiramente amarelado e agora o busto aparenta estar sempre gripado. Os alunos comentam.
Já chamaram o Colégio Júlia Wanderley de “a escola da estátua de nariz quebrado”. Por mais de 20 anos, na verdade. É que o busto de granito da professora que dá nome ao colégio teve a cara quebrada por um vândalo em meados da década de 1970 e só em 2009 foi restaurada. Logo depois a estátua esculpida por Erbo Stenzel (1911-1980) foi mutilada novamente. Recebeu um novo nariz em 2011, quando trocou o jardim da escola pelo hall interno. A proteção entre quatro paredes aumentou a segurança da estátua, mas não evitou piadas. O nariz se tornou ligeiramente amarelado e agora o busto aparenta estar sempre gripado. Os alunos comentam.
A escola ocupa uma parte nobre da Avenida Vicente Machado e não se encaixa em nenhuma tentativa de classificação arquitetônica. Existem linhas retas do modernismo, arcos e bases de pedra da arquitetura neocolonial e rebuscamentos leves da art déco. Nas palavras da arquiteta Elizabeth Amorim de Castro, maior autoridade em arquitetura escolar da cidade, a escola Júlia Wanderley “é um exemplar da boa convivência entre diferentes linguagens arquitetônicas”.
Como o projeto arquitetônico original nunca foi encontrado por pesquisadores e autoridades públicas, não se sabe quem projetou o prédio. Como Elizabeth descreve no livro Grupos Escolares de Curitiba na primeira metade do século XX, “é possível analisar dois aspectos que a aproximam e a distanciam das escolas até então construídas”.
A configuração espacial em T define duas alas: uma frontal, onde estão as 12 salas de aula e os ambientes de apoio, e uma transversal, onde se encontra o auditório. Essa solução já tinha sido empregada em outras escolas. “A novidade está na linguagem formal adotada”, ressalta a especialista. Na contramão dos edifícios escolares da época, o Júlia Wanderley apresenta linhas austeras com economia de ornamentos. Somente na década de 1970 é que surgiram novos blocos de edifícios espalhados pelo terreno, em uma arquitetura padronizada e sem qualquer estética peculiar.
Parte da ocupação do Bigorrilho
No início do século passado, conforme a população curitibana foi ocupando o Bigorrilho, que não passava de uma região pantanosa de chácaras e de passagem entre o centro da cidade e Campo Largo, o estado se viu obrigado a investir na arquitetura urbana. Junto do Hospital Evangélico, inaugurado em 1945, a escola foi um dos marcos do início do bairro. O colégio foi oficialmente aberto em novembro de 1946, sob o nome de Grupo Escolar do Bigorrilho.
No início do século passado, conforme a população curitibana foi ocupando o Bigorrilho, que não passava de uma região pantanosa de chácaras e de passagem entre o centro da cidade e Campo Largo, o estado se viu obrigado a investir na arquitetura urbana. Junto do Hospital Evangélico, inaugurado em 1945, a escola foi um dos marcos do início do bairro. O colégio foi oficialmente aberto em novembro de 1946, sob o nome de Grupo Escolar do Bigorrilho.
Como destaca o historiador da UFPR Marcus Levy Bencostta, nome respeitado no circuito nacional de memória escolar, as instituições escolares construídas entre o final do século 19 e o início do século 20 funcionaram como pontos de destaque na cena da cidade. “De modo que se tornasse visível, enquanto signo de um ideal [progresso], uma gramática discursiva arquitetônica que enaltecia ideologias e regimes”, defende Bencostta.