De mobiliário a instrumentos musicais

Design

Visionário e explorador: saiba mais sobre o design eclético de Luca Nichetto

Fernanda Massarotto, especial para HAUS
02/01/2023 20:31
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Obra ou não do destino, Luca Nichetto, 46 anos, era predestinado ao design. Nascido em Veneza, criado em Murano, uma das ilhas da lagoa da cidade, o designer se tornou um dos nomes mais influentes do "Made in Italy". A paixão pelo design industrial o forçou a abandonar as quadras de basquete: "e olha que eu era um ótimo armador", confessou o italiano durante a entrevista exclusiva concedida para HAUS diretamente do seu escritório em Estocolmo. A capital sueca é a sua moradia fixa desde que deixou Veneza há 11 anos para acompanhar a esposa de volta às origens.
Luca Nichetto é um designer explorador. Um visionário da funcionalidade. O mundo da criatividade não possui limites e nem fronteiras. Da Ásia à América, passando pela Europa e assinando inúmeros projetos para marcas como Foscarini, Arflex, Cassina, Casamania, Wittmann, Land Rover e muitas outras. Móveis, luminárias, bolsas ecológicas, instalações e até uma edição limitada de pianos. Uma filosofia criativa que navega em busca desafios e novas culturas deixando, é claro, um rastro do seu talento. "Nem tão italiano, nem tão nórdico", diz ele.

O senhor nasceu em Murano, que é conhecida pela produção de vidro. Um lugar onde se respira arte. Podemos dizer que a escolha pelo design era quase óbvia? 

Antes de mais nada, vale a pena revelar que fui jogador de basquete. E dos bons. Só que há momentos na vida em que temos de escolher: a paixão pode virar uma profissão ou é hora de buscar por outras carreiras? Esse “outras” acabou prevalecendo. Eu nunca planejei realmente me tornar um designer, mas, é claro, crescer em Murano, cercado pela produção de vidro, me empurrou nessa direção. Digamos que quando descobri que o design poderia ser uma profissão apaixonante, não tive dúvidas. Era isso que eu queria!
Sofás da linha Bloom, de mobiliário externo, por Luca Nichetto
Sofás da linha Bloom, de mobiliário externo, por Luca Nichetto

Aos 20 anos, ainda estudante de Desenho Industrial na Universidade de Veneza, o senhor bateu de porta em porta com seu portfólio de desenhos. Acabou sendo descoberto por Simon Moore, diretor criativo da Salviati, um dos mais importantes fabricantes de vidro de Murano. Como foi esse encontro?

Bati na porta da Salviati e deixei meus desenhos. Tive a sorte de conhecer o designer inglês Simon Moore, que disse ter visto meu talento e, inclusive, acabou comprando meus desenhos. Porém, me avisou que não produziria nenhum deles. Admito que fiquei surpreso e questionei: por que diabos? Ele me explicou que um designer não pode ser considerado como tal se não souber primeiro como um produto é feito, como é construído, como é criado, montado. Acabei me tornando seu pupilo e ele me mostrou e ensinou todo o processo industrial. Sem esse conhecimento, eu não teria chegado onde cheguei. Simon estava certo.

O senhor é casado com uma sueca e, em 2011, decidiu abrir seu escritório em Estocolmo. Ainda se sente filho do design "Made in Italy"ou, atualmente, os seus trabalhos refletem mais o estilo nórdico? Ser estrangeiro e, sobretudo, italiano impulsionou sua carreira na Suécia? 

Sabe que passei a me sentir mais italiano quando mudei para a Suécia. No momento, me considero um designer 100% italiano, embora obviamente minhas escolhas de vida tenham me aproximado cada vez mais ao design escandinavo. Acho isso normal até porque quando você se muda para outro país, necessariamente respira uma cultura diferente. Na Suécia, há muita pesquisa sobre os materiais e processos de produção de um determinado objeto: tudo está relacionado ao desejo de criar uma peça bonita com uma função precisa. Já na Itália, a produção é mais pautada na exclusividade e o ponto forte é a relação de empatia com o objeto: há mais emoção do que função. Digamos que meu design está na "fun zone", ou seja, tem um pouco dos dois conceitos.

A pandemia, por exemplo, nos deixou sem Salão do Móvel, sem a convivência e contato próximo. Por outro lado, nos mostrou que a tecnologia e até o design foram fundamentais para nossa sobrevivência em um momento tão difícil para o planeta. Como o senhor vivenciou esse período? Até porque a Suécia, ao contrário do resto do mundo, adotou uma política antilockdown. 

Como você mesmo lembrou, nunca houve realmente um período de quarentena ou um lockdown severo aqui na Suécia. Não vivenciamos o chamado toque de recolher, a obrigatoriedade do uso de máscaras e muito menos a proibição de encontrarmos outras pessoas. Aqui, há pessoas que jamais mudaram sua rotina de vida devido ao Covid-19, mas para mim foi diferente até porque parte dos meus funcionários estão na Itália e um dos meus designers vive em Paris. Digo sempre que a minha vida em família não mudou tanto, mas a profissional sofreu uma transformação drástica. De qualquer forma, reagimos bem! Menos viagens, mais reuniões via Zoom. Trabalhei muito para manter o bom humor e tentar superar um momento difícil junto com minha equipe.

Após a pandemia o que mudou: o design, os designers ou os consumidores? 

Diria, banalmente, que tudo mudou, em todos os âmbitos.
Mostra "La Manufacture", por Luca Nichetto, na Semana de Design de Milão
Mostra "La Manufacture", por Luca Nichetto, na Semana de Design de Milão

Em junho deste ano, durante o Salão do Móvel e o Fuorisalone, o seu nome foi um dos mais comentados já que havia vários lançamentos para a Salvatori, Twils, Scavolini, Ethimo e muitos outros. Sem falar, por exemplo, na exposição Wittmann, na feira Rho, a mostra para La Manufacture, no museu Poldi Pezzol, e ainda uma instalação para a Vitale Barberis Canonico, na Via Solferino, em Brera. E ainda a apresentação do livro 'Projects, collaborations and conversations in design" que conta um pouco dos seus 20 anos de profissão. Como foi conceber essa obra literária? 

Um dia a Phaidon, que é uma editora inglesa especializada em publicações de arte, me pediu para elaborar uma monografia sobre o tema. Claro que se vê no livro o meu ego criativo, mas também houve a vontade de criar, não tanto um volume comemorativo como os que já existem no mercado, mas algo que exaltasse as pessoas que conheci ao longo dos anos e que me ajudaram a tornar possível tudo o que fiz nesses 20 anos de profissão. Digo sempre que são as relações pessoais e interpessoais que têm enriquecido os meus projetos; são elas que tomo como referência quando desenho. É por isso que o livro traz entrevistas, insights e tantas fotos de bastidores.

O senhor é italiano e no ano passado se tornou diretor criativo da histórica fabricante de móveis austríaca Wittmann. Como define esta "nova aventura" envolvendo a tradição da empresa e a sua visão experimental?

Uma das primeiras empresas mencionadas pelo meu professor Paolo Piva, na universidade, durante a aula de Desenho Industrial, foi a Wittmann. Quando, 20 anos depois, a própria Wittmann entrou em contato, interessada em trabalhar comigo, fiquei surpreso e honrado. A filosofia da empresa de produzir seus móveis, baseada puramente no craftsmanship (artesanato) e minha visão experimental resultaram em coleções que tem um único objetivo: criar ambientes com peças de qualidade e durabilidade e que atendam a demanda global.

Uma peça de design que o senhor gostaria de ter criado?

A "lambreta" Vespa, um ícone clássico do design italiano. Admirada e conhecida em todo o mundo, é um evergreen, jamais envelhece e, obviamente, é muito ligada às minhas origens.

Como podemos definir o design de Luca Nichetto? 

Minha "tática" é tentar me surpreender sempre, fugindo da minha zona de conforto. Isso significa que sempre tento fazer algo inesperado. Então é difícil descrever meu estilo, ele muda o tempo todo, sempre de acordo com o projeto.

Suécia e Itália são seus países de base. O que lhe faz falta da Itália quando está na Suécia e vice-versa? 

Quando estou na Suécia, sinto falta da irreverência dos italianos, do happy hour com [Aperol] Spritz ao entardecer. Quando estou na Itália, sinto falta da sobriedade e organização dos suecos.
Luminárias Vallonné e Vallonné Opale, por Luca Nichetto
Luminárias Vallonné e Vallonné Opale, por Luca Nichetto

Quais são próximos projetos de Luca Nichetto?

Estamos trabalhando em vários produtos para &tradition, Arflex, Astep, Bernhardt Design, Wittmann, Wendelbo, Brown Jordan, Ginori1735 e muitos outros. Dá para perceber que não tenho tempo para ficar entediado. E há dois projetos especias pelos quais tenho muito carinho. O primeiro é uma bolsa de couro de maçã Malala para a grife Angela Roi, que usa só couro vegano em suas criações. O segundo é uma edição limitada de pianos para Steinway&Sons batizada de Gran Nichetto. Inclusive, acabei de chegar de Nova York, onde estive cuidando da finalização desses dois futuros lançamentos, não tão próximos, mas que já foram concluídos e dos quais tenho muito orgulho.