Design
Com linguagem original, a arquitetura chinesa vai além das cópias de monumentos
Ningbo Histrory Museum, do arquiteto Wang Shu: exemplo de arquitetura chinesa que busca uma linguagem própria. Fotos: Divulgação
Longe de ser caracterizada por cópias, a arquitetura chinesa desponta no mercado. Com soluções e identidade locais, técnicas sofisticadas e materiais específicos, a China é lar de monumentos e é referência em criatividade na arquitetura moderna. Mesmo as réplicas de construções ocidentais representam a proeza técnica chinesa.
MAIS SOBRE A CHINA
Líder na tendência do regionalismo —arquitetura voltada para valorizar aspectos locais de uma cultura —a China se encontra em um processo de busca por uma identidade cultural pela arquitetura, segundo Hiroyuki Shinohara, professor de arquitetura na Universidade de Nottingham, em Ningbo, China.
“Os arquitetos chineses parecem muito conscientes em expressar a identidade da China pelo seu projeto de construção, seja conceitualmente ou criando linguagens arquitetônicas formais e visuais”, explica Shinohara.
Os arquitetos chineses também têm passado por ͞uma atitude mais racional para revalorizar influências dos estilos de design internacional e a tendência global do desenvolvimento sustentável”, afirma Limei Nong, PHD em Arquitetura e Design de Interiores da Universidade Tsinghua, de Pequim.
Nesta corrente, encontra-se Wang Shu, arquiteto ganhador do Prêmio Pritzker, em 2012 —considerado o Nobel da arquitetura. De acordo com o júri, Wang Shu levou o prêmio por apresentar uma obra artesanal e respeitosa com o meio ambiente.
“Os círculos arquitetônicos dominantes na China começaram a ser revistos quando o senhor Wang Shu ganhou o Prêmio Pritzker; arquitetos marginais passaram para o mainstream e alguns arquitetos emergentes cresceram”, comenta o arquiteto chinês Tang Yong.
Para Yong, os arquitetos chineses são divididos em dois grupos. Uma categoria é composta por arquitetos dentro do sistema governamental que se concentram na arquitetura oficial, que inclui nomes como Liang Sicheng, Qi Kang, Cui Kai e Li Xinggang. A outra consiste em arquitetos marginais, experimentalistas e humanistas, que se concentram na arquitetura regional, como o próprio Wang Shu, Tong Jun, Feng Jizhong, Zhang Yonghe e Liu Jiakun.
Transição
Dona da segunda maior economia do mundo, a China passou por uma crescente demanda por urbanização, devido ao crescimento econômico nas últimas décadas, reconstruindo a paisagem urbana em larga escala. Um mercado que atraiu diversos arquitetos estrangeiros.
“A maioria dos arquitetos estrangeiros é intencionalmente convidada para a China e eles projetam para uma arquitetura nacional importante que, por sua vez, poderia trazer fama considerável mais facilmente para sua carreira do que em seus países de origem”, diz Nong.
É uma relação de oferta e demanda. De um lado, uma vasta quantidade de projetos, construções rápidas e de larga escala, e de outro fundos vastos e projetos com funções importantes.
“Os grandes eventos como os Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008 e a Expo Shanghai, em 2010, trouxeram as atenções dos arquitetos estrangeiros à China por meio de um grande concurso de arquitetura internacional para as instalações relacionadas aos eventos”, exemplifica o professor Shinohara.
Entretanto, um período de transição tem se instalado no país, com mais espaço e valorizando os arquitetos nativos. “À medida que os institutos de design local ganharam conhecimento através da colaboração com empresas estrangeiras, muitos arquitetos chineses que estudaram e praticaram no exterior estão retornando à China, e novos talentos de arquitetura chinesa estão surgindo”, conta Shinohara.
“Quando mais arquitetos chineses crescem com as mesmas estratégias de design internacional e com uma compreensão mais profunda da cultura local, inevitavelmente eles conquistam mais voz”, acrescenta Nong.
Para o arquiteto Tang Yong, o motivo da transição de projetos estrangeiros para os arquitetos chineses é a consciência cultural. “Os chineses começaram a reconhecer que sua cultura tradicional é a fonte de inspiração do design arquitetônico e expressar o espírito oriental usando abordagens modernistas se tornou o objetivo eterno de alguns arquitetos chineses.”
China monumental
Evidenciar um país pela arquitetura é um modelo muito tradicional de se ganhar o mundo, visto desde o Antigo Egito, e com a China não é diferente. O Estádio Nacional de Pequim, ou Ninho de Pássaros, projetado por Jacques Herzog e Pierre de Meuron para os Jogos Olímpicos é referência em grandiosidade.
“É muito maior do que o realmente necessário para acomodar eventos esportivos, mas impressionou o mundo com a imagem representando a elevação da economia do país e o desenvolvimento e construção da cidade contemporânea”, afirma Shinohara.
A sede da CCTV, em Pequim, a tevê estatal da China, é um dos exemplos das estruturas monumentais e se destaca pelo formato de um grande “M”. Projetada pelo holandês Rem Koolhaas, a sede ganhou fama pelo apelido, “calças”, e por ser o centro de uma polêmica envolvendo o presidente do país.
Xi Jinping, presidente da China, pediu pelo fim da “arquitetura estranha” no país, em um discurso realizado num simpósio literário de Pequim, em 2014. Como resultado do boom da construção civil na China, Sr. Xi disse que prédios como o da CCTV não deveriam mais ser construídos no país.
Para Qipeng, a proibição da “arquitetura estranha” vem junto com a restrição de arquitetos estrangeiros comandarem projetos nacionais de grande escala. “Tem havido muitos projetos de construção pública de grande escala de formas exageradas no Oriente Médio e na China nos últimos anos, e a implementação de muitos projetos foi insatisfatória, mas com um enorme custo”, explica o arquiteto.
“Os regulamentos de construção são constantemente alterados com base nas necessidades e situações na China e todos os novos edifícios devem cumprir os requisitos. Atualmente, o regulamento de construção chinês exige critérios de construção sustentável muito mais rígidos para serem implementados e uso limitado do sistema de construção de cortinas de vidro, por exemplo”, conta Shinohara.
O banimento da arquitetura exagerada se direciona aos prédios governamentais, e pode auxiliar em melhorar a aparência urbana das cidades chinesas. Porém, a proibição também tem seu lado negativo. “É excessivamente interferencial estipular a invalidade de um tipo de edifício. Os projetos governamentais são apenas uma parte do vasto mercado arquitetônico da China, e aqueles das formas mais exageradas foram exatamente liderados pelo governo”, complementa Qipeng.
Réplicas
As réplicas também são um marco da história chinesa na arquitetura. Com sua própria Torre Eiffel, na cidade de Tianducheng. A coleção dos monumentos duplicados inclui a Casa Branca, o Arco do Triunfo, a Ópera de Sidney e a Tower Bridge.
MAIS SOBRE CÓPIAS NA ARQUITETURA CHINESA
Entretanto, esse fenômeno não é exclusivo da China. Basta olharmos para os prédios de Manhattan, baseados em castelos franceses e italianos. ͞As pessoas vão acusar os arquitetos chineses de “copiar” designs estrangeiros. Mas quando os designers ocidentais fazem o mesmo, eles dizem, mais generosamente, que foram “inspirados” por um projeto existente͟, critica Bianca Bosker, jornalista autora do livro Cópias Originais, que viajou pela China para pesquisar sobre as réplicas, com moradores e até arquitetos envolvidos.
“Eu argumentaria que recriar Paris não é a maneira da China de homenagear a França. Em vez disso, é um monumento à China, que se tornou tão rica e tão poderosa que pode figurar sua “própria” Cidade das Luzes —ou Manhattan, ou Veneza, ou Casa Branca”, diz a autora.