A substituição dos polímeros recicláveis por matérias-primas biodegradáveis desponta como o próximo passo do setor produtivo na busca por um futuro econômico e ambientalmente sustentável. E uma das apostas mais promissoras neste sentido vem do micélio (parte vegetativa dos fungos composta por uma rede de fibras finas, semelhantes a raízes), utilizado pela startup paranaense Mush como base para uma coleção de produtos voltados ao conforto acústico nos ambientes residenciais e corporativos.
Batizada de Íris, a linha conta com painéis, nuvens (elementos decorativos) e biombos e tem design assinado pela curitibana Furf Design Studio, dos designers Mauricio Noronha e Rodrigo Brenner. Assim, as peças aliam biotecnologia, design e sustentabilidade para a composição de espaços confortáveis, com apelo estético e ambientalmente responsáveis, inspirados na biofilia.
"A forma [radial] tem uma subjetividade para que as pessoas possam enxergar diferentes coisas: o sol, uma flor, uma mandala", aponta Noronha ao descrever o padrão das peças. "É a união do design e da ciência. Uma forma de trazer o holofote, uma veia comercial forte para a ciência e para este material que é completamente sustentável e renovável", acrescenta Brenner.
Pesquisa
A inovação é a base da coleção Íris e ela vem de uma etapa anterior à do desenvolvimento das peças. A pesquisa científica que fez do micélio a matéria-prima que dá forma a elas é desenvolvida há cerca de três anos dentro do campus Ponta Grossa da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), onde a Mush nasceu, em novembro de 2019.
"Somos uma startup que desenvolve soluções de uso para o subproduto da agroindústria, que normalmente é utilizado para cobertura de solo ou como material de queima, para a geração de energia ou calor. Queremos dar um destino melhor para ele, agregando valor, reduzindo o impacto junto ao solo e contribuindo para a qualidade de vida das pessoas", afirmam Leandro Oshiro, graduando em Engenharia Química e responsável pela produção de fungos na Mush, e Antonio Carlos de Francisco, doutor em Engenharia de Produção e mentor na área de sustentabilidade da startup, que também conta com Eduardo Bittencourt Sydney à frente da área de desenvolvimento de bioprocessos.
No processo de produção da matéria-prima, que envolve diversas etapas, este subproduto atua como um elemento que reproduz as condições nas quais o fungo cresce na natureza, a partir do controle da temperatura, umidade, da inserção de calcário e de outros componentes para torná-lo ideal ao desenvolvimento do micélio. Após a primeira etapa de crescimento, o material é quebrado, recebe uma carga extra de nutrientes e é acondicionado nos moldes, onde novamente se expande até a formação do bloco, que então é aquecido e seco, o que evita que o fungo continue seu desenvolvimento.
Desafios
As pesquisas com micélio como alternativa de matéria-prima vêm chamando a atenção de pesquisadores e gigantes da indústria nos últimos anos em diversas partes do mundo e ganha campo especialmente no setor de embalagens, no qual a Mush também atua.
No que diz respeito a produtos de alto valor agregado, como os de decoração e acabamento, no entanto, um entrave é a capacidade de ganho de escala da produção, o que a startup paranaense pretende alcançar a partir de três frentes. A primeira delas é a parceria com empresas e investidores interessados na tecnologia. A segunda vem da participação em editais voltados à inovação e à aceleração de startups. Já a terceira refere-se ao investimento na empresa dos lucros gerados pela comercialização das peças da coleção Íris, seguindo o modelo de negócio B2B2C (business-to-business-to-consumer, que configura parcerias entre empresas para atingir o consumidor final), com previsão de início das vendas para abril de 2021. A Mush também prevê a possibilidade de personalização das peças conforme a necessidade de cada projeto.
"Somos a única empresa no Brasil que detém esta tecnologia e, no mundo, são poucas as que a tem, o que faz com que sejam pouquíssimas as que estão atuando neste mercado. A cadeia e as possibilidades são muito grandes", destaca Antonio Carlos de Francisco. "É uma tecnologia desenvolvida dentro da universidade e que traz uma inspiração para as pessoas que estão tentando ver outra possibilidade que não a indústria, mas, sim, a de empreender dentro dela", finaliza Oshiro.
Veja como as peças são produzidas.