Design
Conheça a mulher que comanda a marca de design brasileiro mais influente do mundo
A ítalo-brasileira Lissa Carmona é uma das principais responsáveis pelo boom do design brasileiro no exterior, especialmente na Europa e nos Estados Unidos. Foto: Andres Otero/Divulgação | Giulia Torra
Nos últimos anos, o estado americano do Texas, passou a despertar o interesse de Lissa Carmona que ao lado da mãe, a designer Etel, comanda uma das marcas mais influentes de mobiliário nacional. O primeiro sinal veio, em 2015, quando um colecionador da cidade de Houston adquiriu a icônica chaise lounge “Marquesa”, desenhada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, em 1974.
A peça, feita em madeira prensada ebanizada com assento em palhinha natural, foi remetida ao destinatário, deixando, porém, na empresária a sensação de que havia descoberto o novo polo de design e arte contemporânea americana. “Há um grande número de amantes do design brasileiro naquela região. Basta dizer, que em 2007, o Museum of Fine Arts, de Houston, comprou a coleção de arte construtiva brasileira do paulista Adolpho Leirner”, relembra.
O intuito feminino se mostrou acertado tanto que a ETEL, agora em setembro, abre as portas da sua primeira flagship store nos Estados Unidos. “É a nossa primeira loja na América do Norte. Temos representantes em Nova York, Los Angeles, Miami, Toronto e Vancouver mas a filial, em Houston, sinaliza mais um passo para promover a marca e contar o design brasileiro para um novo público“, revela Lissa Carmona que convidou o mesmo escritório italiano de arquitetura, o Superluna, para desenvolver o projeto. “Eles foram os responsáveis pelo espaço em Milão, inaugurado em 2017. A identidade visual seguirá o mesmo estilo mas com um jeito texano”.
O voo em direção ao mercado americano, um dos principais para a marca brasileira, não é recente. Pelo contrário, já contabiliza mais de 20 anos. “Em 2002, chegamos em Nova York e Toronto, sempre por meio de parceiros. Há dois anos, foi a vez de Milão. Fomos a primeira marca de design brasileiro a inaugurar um espaço próprio no exterior”, relembra ela que, já em 1994, com um economia brasileira muito fechada, desbravava as fronteiras. A trajetória internacional não está restrita somente ao continente europeu. No ano passado, foi a vez de Beirute, no Líbano, e em fevereiro passado, de Seul, na Coréia do Sul. “Mais uma vez, encontramos colaboradores que decidiram se lançar nessa aventura”.
O que há de tão fascinante no design brasileiro, é talvez a pergunta que Lissa Carmona mais ouça por onde passa. “Beleza, funcionalidade, qualidade, originalidade e autenticidade”, retruca imediatamente essa paulistana formada em administração pela Fundação Getúlio Vargas e que, por anos, trabalhou no mercado financeiro.
A paixão pelas criações de mestres como Oscar Niemeyer, Lina Bo Bardi, Jorge Zalszupin e Sergio Rodrigues veio naturalmente. O amor pela madeira nasceu ainda quando menina quando encontrava a mãe na garagem de casa construindo peças ao lado de marceneiros. O casamento com o design demorou um pouco. Primeiro, foi preciso se separar dos números, que se mostraram úteis em um segunda fase.
A parceria profissional com a ETEL veio, em 1994, quando ajudou a mãe e a designer carioca Claudia Moreira Salles a participar da feira ICFF – High End Luxury Fair, em Nova York. O que parecia ser um romance passageiro se transformou em uma união estável: mãe e filha se tornaram sócias e Lissa, hoje, toca com elegância e empreendedorismo a marca.
O sucesso do mobiliário da ETEL não se resume somente as reedições de peças consagradas de Oscar Niemeyer e Lina Bo Bardi. A família também se dedica à criação de uma linha de móveis autorais e Lissa Carmona se orgulha de ter em seu portfólio 22 designers contemporâneos como Carlos Motta, Isay Weinfeld, Arthur Casas.
“Parte do nosso sucesso é a preocupação pelo meio ambiente. A madeira utilizada é certificada e todas as peças são numeradas e podem ser rastreadas“, orgulha-se ela que três vezes por semana visita pessoalmente a fábrica da marca, em Valinhos, no interior paulista. Há também outra unidade em Xapuri, no Acre.
O pioneirismo em levar o Made in Brazil para outros países não foi uma tarefa fácil. Custos e distância, por vezes, inviabilizavam a internacionalização da marca. Sem falar, no preconceito. “Conseguimos nestes anos, mostrar que o design brasileiro nada tem a ver com estereótipo tropical exótico. Vendemos tradição, know-how, elegância e muito estilo”, explica a CEO da ETEL.
Muitos dos artistas modernistas brasileiros se inspiraram em grandes nomes da Europa. Jorge Zalszupin, considerado um dos maiores expoentes da arquitetura no país, nasceu na Polônia e chegou ao Brasil na década de 50. “Seus traços são pura poesia. Há muito do design escandinavo e do suingue da Bossa Nova. Um exemplo é a ‘Dinamarquesa”, realizada em 1949. Os braços da poltrona, em madeira, foram inspirados nas colunas do Palácio do Planalto, de Brasília. É mais que um simples móvel, é uma obra de arte, digna de integrar o acervo de qualquer colecionador”, evidencia a empresária que se orgulha da produção artesanal do mobiliário da marca.
As peças são feitas uma a uma e chegam a levar três semanas para serem executadas. Outro trunfo é o uso de madeira controlada com o selo do FSC® – Conselho de Manejo Florestal – como jequitibá, pau folha, cumaru, jacarandá, freijó e peroba, esta última de reúso. “Hoje, nossa matéria-prima principal é essa. Mas nada impede que no futuro não busquemos outros materiais alternativos sempre de origem vegetal”.
É óbvio, que não se pode negar que as formas puras e impecáveis das reedições de clássicos assinados por Lina Bo Bardi, Oscar Niemeyer e Sérgio Rodrigues encabecem a lista dos mais vendidos. Mas, o talento e jovialidade de Carlos Motta e Marcio Kogan, por exemplo, também são destaque nos 14 pontos de venda espalhados pelos Estados Unidos, Canadá, Europa, Líbano e Coréia do Sul.
A consagração da ETEL ganhou força também graças a sua aproximação ao mercado internacional. O showroom em Milão, no número 13, da Via Maroncelli, no bairro de Brera, o chamado design district da metrópole italiana foi fundamental. “Essa é a nossa vitrine internacional. Estamos na capital do design. Ganhamos visibilidade e credibilidade”, comenta com entusiasmo. “A ETEL, na Itália, nos ajudou a encurtar aquela distância que, por vezes, virava empecilho. Estamos no centro do mundo”.
Os primeiros passos do plano de expansão internacional já foram dados. A parceria com a multimarcas In Out, em Beirute, comprova ter aberto as portas de entrada para os países Oriente Médio, enquanto a Galeria Chapter 1, em Seul, supriu a lacuna no mercado asiático.
“Um dos pontos fortes do nosso mobiliário é a durabilidade e qualidade, ou seja, características imprescindíveis em uma peça de ‘bom design’. Eu, particularmente, as considero obras de arte que decoram e que deixam qualquer ambiente mais acolhedor e bonito”, atesta a empresária que além de cuidar da promoção da ETEL ainda encontra tempo para ministrar palestras sobre o design brasileiro. “É gratificante ver móveis desenhados pelo Neimeyer serem vendidos nos quatro cantos do mundo. E só estamos no começo”.
*Especial para a Gazeta do Povo, de Milão, na Itália.