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A provocadora mostra individual dos Irmãos Campana em Nova Iorque

Sharon Abdalla
Sharon Abdalla
26/09/2017 10:30
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Mostra Hybridism, de Fernando e Humberto Campana em Nova Iorque. Foto: Reprodução

Eles levaram mais de 100 mil pessoas ao “olho” do Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, para conhecer de perto peças como as poltronas “Vermelha” e “Favela”, que há décadas impressionam pela beleza e ousadia. Em plena produção criativa, os Irmãos Campana não param e assinam, desde o início de setembro, um novo trabalho, exposto na galeria Friedman Benda, em Nova Iorque.
Batizada de “Hibridismo”, a mostra traz peças marcadamente esculturais que as aproximam mais da arte do que do design, mas que continuam tendo o material – marca registrada da dupla – como protagonista. Outros estudos envolvendo colagens e pinturas em acrílico também estão no raio de atuação dos irmãos Fernando e Humberto Campana que, mais do que nunca, procuram dar vazão e destacar sua individualidade.
Os irmãos Fernando e Humberto Campana, referência máxima do design brasileiro, participaram do No Sofá da HAUS, realizado no Museu Oscar Niemeyer (MON). Fotos do evento e primeiras imagens da mostra exclusiva, Irmãos Campana , que inaugura no Museu Oscar Niemeyer. Foto: Reprodução
Os irmãos Fernando e Humberto Campana, referência máxima do design brasileiro, participaram do No Sofá da HAUS, realizado no Museu Oscar Niemeyer (MON). Fotos do evento e primeiras imagens da mostra exclusiva, Irmãos Campana , que inaugura no Museu Oscar Niemeyer. Foto: Reprodução
Foi assim na entrevista exclusiva que concederam à HAUS durante uma de suas últimas visitas a Curitiba, na qual receberam separadamente a reportagem. Confira.
Peça de Hibridismo,<br>com móveis pesados, de ferro, bronze e alumínio, que mescla diferentes seres. Foto: Reprodução
Peça de Hibridismo,<br>com móveis pesados, de ferro, bronze e alumínio, que mescla diferentes seres. Foto: Reprodução
Contem-nos um pouco mais sobre a exposição “Hibridismo”?
Humberto: Estou muito animado porque é um trabalho novo, diferente. Esta exposição está muito mais ligada à arte do que ao design. Ela é um manifesto, uma reação a tudo o que está acontecendo no
Brasil, à confusão que está o mundo de hoje. É uma catarse para tentar não ficar desanimado. [São trabalhos] muito mais pessoais do que dirigidos ao público. São móveis bem esculturais, pesados, de ferro, bronze e alumínio, nos quais criamos um hibridismo entre diferentes seres.
Fernando: O legal nesta exposição é que nós dividimos as tarefas. Eu vou trabalhar na escala do objeto, com coisas para se ter em cima da mesa, e o Humberto na do mobiliário.
Peças da mostra Hibridismo estão em exposição em Nova York. Foto: Divulgação
Peças da mostra Hibridismo estão em exposição em Nova York. Foto: Divulgação
A linguagem de vocês tem uma ligação muito forte com a essência do material. Podem falar a respeito disso?
Fernando: Nós nascemos em Brotas, [interior de São Paulo], em uma cidade pequena, porém cheia de natureza. O cinema da cidade foi nossa janela para o mundo, e quando saíamos dele tentávamos reproduzir o que víamos na tela. Quando eu assisti a “2001” [de Stanley Kubrick], não existiam aquelas espaçonaves nas lojas e fui buscar estacas de bambu para construí-las. Você não tem o material perfeito, mas tem a proximidade por meio de uma estética ou uma ciência de mimetização. Essa curiosidade, é isso o que nos leva a modificar [os materiais e seus usos], a não sermos conformistas.
Humberto: É sempre o material quem vai pedir no que ele quer ser transformado, como um personagem à procura de um autor. Às vezes eu compro um couro ou pedras semipreciosas e os deixo lá no estúdio. Então começa um namoro, um flerte. É sempre assim, é o material quem nos conduz ao processo final.
Vocês disseram uma vez que a “imperfeição do material é libertária”. O que isso significa?
Humberto: Acho que é um pouco o nosso processo, pois tudo começou imperfeito. Eu era advogado, o Fernando [arquiteto] veio me ajudar. É como as coisas vão acontecendo, não perfeitas.
Sofá Outono reproduz o tronco de uma árvore. Foto: Divulgação
Sofá Outono reproduz o tronco de uma árvore. Foto: Divulgação
Quando vocês começaram, com a exposição “Desconfortáveis”, o trabalho que desenvolviam era considerado subversivo. Vocês também se intitulavam desta forma?
Humberto: Não, nós nunca nos intitulamos. É engraçado que, nos anos 1980, o mundo não estava nesta velocidade de hoje. Então, talvez estivessem ocorrendo várias manifestações no mundo e isso não vinha à tona. E, hoje, seria muito pretensioso dizermos que somos subversivos, devido à velocidade da informação.
Formas orgânicas são destaque nos sofás criados pelos artistas. Foto: Divulgação
Formas orgânicas são destaque nos sofás criados pelos artistas. Foto: Divulgação
O design brasileiro começou a despontar na geração de vocês. Como avaliam a evolução do trabalho ao longo dessas décadas? Vocês ainda mantêm alguma ligação com aquela essência do passado?
Humberto: [Muitos nomes] fizeram o design brasileiro, como Sérgio Rodrigues, que trabalhava com a madeira. Esse design era maravilhoso, mas seguimos um caminho pelos materiais, com móveis duros, até desconfortáveis, e até hoje este é nosso processo.
Fernando: A linha mestra é a manualidade e extrair poesia do que não é perfeito.
Ideia dos irmãos é extrair a poesia de materiais brutos. Foto: Divulgação
Ideia dos irmãos é extrair a poesia de materiais brutos. Foto: Divulgação
Como definiriam o Brasil que apresentam nas obras assinadas pelos Irmãos Campana?
Fernando: É o da inserção social, da recuperação de tradições em vias de extinção, o da possibilidade de valorizar e profissionalizar pessoas que, às vezes, estão no abandono. [Foi assim com a exposição] “Retratos Iluminados”, um projeto no qual pedimos para que as bordadeiras de Alagoas, Sergipe e da Bahia fizessem seus autorretratos em bastidores que viraram lustres. [É mostrar] o Brasil através da manualidade, da responsabilidade social. Não adianta [apenas] fechar vidro e blindar [o carro].
Humberto: Procuramos mostrar um Brasil contemporâneo, sério, criativo, que com pouco pode transformar a coisa bruta no falso brilhante. O Brasil do Carnaval, do kitsch. O Brasil que é a fusão de raças, de pessoas criativas, um país barulhento. Aqui a gente não tem neve, que deixa tudo branquinho, minimalista. O Brasil tem textura, barulho, musicalidade, cor e luz. E é esse Brasil que procuramos passar, com responsabilidade, elegância e seriedade.

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