Entrevista
Design
Designer Zanini de Zanine lança livro comemorativo com fôlego para novas incursões criativas
O design de produto, em especial o de mobiliário, é resultado de um conjunto formado por inspiração, criatividade e repertório. Um mesmo briefing na mão (e na mente) de diferentes designers resultará em peças distintas que, mesmo partindo de uma raiz comum, são uma forma de expressão, uma forma de ver e de se colocar no mundo, uma linguagem.
Com o avançar dos traços e o passar dos anos, essa linguagem ganha corpo e torna possível reconhecer o caminho que leva alguns nomes a se destacarem e se tornarem referência no mercado. É o caso de Zanini de Zanine. Aos 46 anos de vida, o designer carioca lança livro homônimo que celebra os seus 20 anos de carreira e retrata criações que levam sua assinatura desde antes de 2003, quando lançou o Atelier Zanini de Zanine no qual o protagonista era o trabalho com a madeira de reuso - influência do pai, Zanine Caldas, e também de outro dos maiores nomes da história do design nacional, Sergio Rodrigues, de quem foi estagiário.
Ao atingir o marco de duas décadas de profissão, Zanine coleciona sucessos e prêmios entre os mais respeitados do setor, como IF Design Award e Museu da Casa Brasileira. Mas engana-se quem pensa que não há fôlego para experimentações e novas incursões criativas, como nas artes plásticas, nova empreitada a que o designer vem se dedicando.
Em entrevista exclusiva a HAUS durante um dos eventos de lançamento de “Zanini de Zanine (2002/2022)”, na Vanessa Taques Casa, em Curitiba, o designer revisitou sua história, comentou sobre o futuro de seu trabalho e sobre a evolução do mercado de design no Brasil nestes 20 anos. Confira na íntegra!
HAUS - Vamos começar falando sobre o livro. Pode contar um pouco sobre o que o leitor encontra nele? É uma biografia, uma autobiografia, um diário?
ZZ - Talvez seja uma intenção… eu chamaria de uma pincelada retrospectiva desses 20 anos. Eu falo 20 anos porque é desde o ano em que me formei na faculdade, meu primeiro ano profissional, até o ano [retrasado, de 2022]. Numa forma muito fiel ao nosso conceito, que é um liquidificador de ideias, a gente só quis ilustrar esse percurso dividindo-o em três seções: design, artes - uma linguagem que apresentamos pela primeira vez -, e a terceira, de espaços [ambientes], que chamamos de direção de arte. Às vezes é um espaço interior, às vezes é uma direção de arte que vai do mobiliário ao espaço interior. Então tem essas três abordagens, talvez com destaque para as artes, que é uma área que eu já me permito frequentar há quase seis anos, e que muita gente não sabe desse viés que faz parte de um amadurecimento, de me permitir, de buscar uma oxigenação, uma fuga mental que saísse do desenho, do móvel, do espaço. Quase um exercício livre de abstração, que depois acaba voltando e oxigenando o mobiliário, o espaço.
Então o livro tem, de uma forma muito simples, essas três seções, porém não tem cronologia. Você vai encontrar uma peça que eu fiz ano passado, depois na segunda página uma peça que eu fiz há dez anos, na outra a primeira peça que eu fiz. É justamente para provocar esse questionamento do que é temporal, do que você acha que foi feito ontem, mas não foi, do que foi antigo e parece que foi feito ontem.
A outra, a quarta grande parte, são os depoimentos, os textos. Tivemos a sorte de ter o carinho de pessoas com quem trabalhei durante esses períodos que vão desde o Sergio Rodrigues, a Maria Helena Estrada, jornalista que talvez tenha sido uma das pioneiras nesta área do design… Grandes diretores de arte com quem a gente trabalhou, como Giulio Cappellini, Nigel Coates, que era da Royal College of Art, de Londres, Greg Hoffman, que era diretor-geral de marketing da Nike. Quem mais? Aí tem pessoas que a gente tem relação, que estão na área, que admiramos e que trouxemos para darem outro ponto de vista, como a Vera Holtz. São depoimentos que escolhemos com carinho de pessoas com diferentes olhares.
HAUS - E como surgiu essa ideia? Como foi esse desenvolvimento?
ZZ - A gente pensou no livro já tem quase três anos. Na verdade, foram quase dois anos só de projeto. O livro tem quase 300 páginas e 90% delas são de imagens. A gente queria que fosse um livro visual. A parte de texto, de pesquisa é muito curta: tem uma introdução, essas imagens, uma cronologia e os textos. A gente não chegou a se aprofundar porque não queríamos que a gente falasse sobre o trabalho. Queremos que o tempo fale sobre o trabalho. Então, era mais puxar esses olhares que a gente comentou de pessoas para quem a gente só falou: “escreva… no tamanho e com abordagem que você quiser”. E apenas isso, só sugerir e registrar o que foi feito. Ficou muito material de fora. Dá tempo de fazer outro volume, uma segunda edição, talvez daqui a cinco anos, para os 25 anos. Mas eu acho que o bacana é isso também: o trabalho ir sendo descoberto de alguma forma.
HAUS - Como você define e sinaliza as principais características que resumem o trabalho que você realiza hoje?
De uma forma bem pragmática, o que a cada ano eu confirmo é que essa busca é uma vocação de pesquisa. Então, cada vez eu me vejo mais como um pesquisador, um experimentador, e, despretensiosamente, um tradutor do tempo que a gente pisa aqui na terra, esse período que a gente passa aqui e que se transforma em objeto, em espaço, em mobiliário - com todos esses pontos em comum vindo da nossa cultura.
Essa é uma herança dos meus pais que eu aprendi desde muito pequeno: esse olhar sobre não só a fauna, sobre nossa arte popular, sobre nossa arquitetura, sobre o cinema (minha mãe vem da área de cinema), sobre a música. Tudo isso é fomentado e tudo isso é o ponto de partida de cada projeto. Cada projeto tem essa história que vem realmente de algum detalhe mais superficial ou mais profundo de pesquisa.
HAUS - E você acha que essas características mudaram ao longo dessas duas décadas?
ZZ - Tem uma oscilação porque assim como o dia a dia, tem dia que você está mais bem-humorado, tem dia que você está mais melancólico, isso tudo se reflete nos projetos. Há pinturas em preto e branco, há pinturas com cor. Há uma oscilação, sim, ao longo desse percurso. Às vezes eu estou mais focado numa pesquisa sobre têxtil brasileiro, às vezes sobre arquitetura, às vezes sobre a arte plástica, mas voltando sempre para esse tema primário que é a cultura nacional.
HAUS - É difícil falarmos sobre a sua história e, mais especificamente ainda, sobre o início da sua carreira sem trazer grandes nomes da história do design nacional, que são o seu pai, primeiramente, e o próprio Sergio Rodrigues. Como foi crescer e iniciar uma carreira com toda essa carga de influências e de referências? O que o Zanini de hoje, que completa 20 anos de carreira, ainda carrega deles e de outras pessoas que talvez você queira acrescentar nessa lista?
ZZ - O que eu carrego é um entusiasmo que era muito constante nessa geração. Se pegar o Sergio Rodrigues, o Tom Jobim, o Niemeyer, o meu pai, o Sérgio Camargo… Todos eles tinham uma adoração e uma dimensão da riqueza que a gente tinha que era suficiente para nós enaltecermos e traduzirmos. Então, essa herança talvez seja a maior que eu tenha resgatado desse contato com essa geração. E o lado bom é que eram trabalhos tão grandes que a gente desde cedo conseguiu ter noção dessa grandeza - e tem cada vez mais. [Isso me deixa] mais confortável por saber que tenho influência deles, e o que eu tento fazer nada mais é do que... como eu posso falar, sem nenhuma pretensão, tentar fazer jus ao que eu vi de perto. Foi um grande privilégio e, ao mesmo tempo, sei que é tão grande que me deixa livre, solto, relaxado para eu tentar algo parecido com o que... Eu digo parecido nesse caminho de raciocínio, de alinhamento mental.
HAUS - O seu trabalho como designer começou tendo a madeira como matéria-prima principal, especialmente a madeira de reaproveitamento. Isso numa época em que se falar sobre reuso, reaproveitamento, trazer à tona essas questões de sustentabilidade estava longe de ser a pauta do dia, como ocorre hoje. Como isso surgiu? Foi exclusivamente uma influência do trabalho que seu pai realizava ou há outras justificativas que te levaram para esse caminho?
ZZ - O ponto de partida, sem dúvida, foi essa abordagem que meu pai fazia, não só para o mobiliário, mas também para a arquitetura. Desde a década de 1960 ele já aplicava peças de demolição - janelas, portas, corrimão, colunas de fazenda - na arquitetura dele. Antes disso, em mobiliário. Isso foi uma herança, sem dúvida. Eu não saberia não olhar para esse lado, e calhou da nossa geração, no nosso período de civilização mundial, isso ser quase um requisito para a gente colocar objetos no mundo. Esse excesso de produtos mesmo… Nada seria mais justo do que ter um olhar em que a gente possa reaproveitar, como uma poltrona moeda, reutilizar madeiras... Trabalhar o plástico num processo de rotomoldagem com matéria-prima reciclada e reciclável. A cada produto esse tema também está sempre presente. Tem um que eu gosto de exemplificar que são algumas peças que podem não parecer sustentáveis num primeiro olhar. Há muita coisa que a gente faz que dura muito, isso também se torna sustentável, pois dificilmente irá para o lixo, dificilmente irá [se tornar uma peça de] desuso, vai ser algo que sempre estará equipando uma casa, um lar.
HAUS - Depois dessa iniciação com a madeira você incluiu outras matérias-primas ao longo de todos esses anos de trabalho. E eu já li em outras entrevistas suas que um dos motivos para isso também foi a necessidade das indústrias, que muitas delas trabalham com materiais específicos. Como se dá essa relação entre a criatividade afetiva à qual você também já fez referência e esse apelo industrial e comercial das criações?
ZZ - É uma troca interessante porque ao mesmo tempo em que a gente vem com uma [ideia], aparece uma demanda de alguma fábrica ou de uma marca, é uma provocação. Muitas vezes a gente se depara com um desafio que talvez jamais partiria do nosso lado. Estamos sempre muito abertos, principalmente para as fábricas e marcas que têm esse olhar não somente sustentável, mas de um produto duradouro, que tenha liberdade estética. De fazer o casamento entre o DNA da fábrica, da marca e o nosso DNA, isso é a provocação de um produto novo. O que é legal, pois vai vir algo que a gente talvez jamais pararia para pensar. Há produtos nos quais a gente realmente se depara com resultados e parcerias muito legais. É um enriquecimento muito grande quando vem uma proposta, um briefing de um novo parceiro.
HAUS - Você tem uma veia empreendedora muito forte desde o início da sua carreira. E o design enquanto negócio também evoluiu consideravelmente no Brasil durante esses 20 anos em que você está no mercado. Como vê esse percurso e como situa o design produzido hoje no Brasil?
ZZ - Há 20 anos, eu posso assegurar que a gente tinha que desenhar, convencer quem fosse produzir, depois convencer o espaço, o showroom para apresentar para daí saber se iria vender ou não, se o produto teria uma vida comercial. Depois de 20 anos, o amadurecimento dessa área é algo muito gratificante. O quanto temos de espaços nas cidades para poder apresentar esse trabalho, a plataforma digital... O tempo é outro. Essa geração mais recente, que é muito talentosa, tem um mercado nacional muito interessante, fábricas fortes, marcas fortes. Você chega hoje a ter uma geração que já comercializa o seu próprio produto. Tem gente que hoje corre atrás do seu produto, tem a venda digital, tem o seu posicionamento, tudo através de uma estrutura de viabilidade muito rápida. Mas essa geração que eu peguei, a gente se enriqueceu muito com essas dificuldades, de bater na porta, de ir na fábrica entender, tomar muito “não”. E o livro está aí para mostrar que do terço que está nele, há dois terços que deram errado, não funcionaram, não foram fabricados. Acho bacana ter passado por tudo isso.
HAUS - Você já pincelou no início da entrevista a questão da sua inserção na pintura. As artes plásticas são um novo direcionamento da sua carreira?
ZZ - Permiti-me ter essa liberdade, mais por necessidade do que planejamento. Foi mais o coração falando, o braço “psicografando”, do que um planejamento. É uma experiência que a cada vez eu descubro mais. Eu pinto todo dia. Eu acordo, eu pinto, eu vou dormir, eu pinto. É não só uma terapia, mas um exercício mental de permitir outras formas dentro do que a gente exerce. Mas é um caminho que não vai ter fim, não é momentâneo, não.