Disponibilidade de horário sempre foi mercadoria rara na agenda do designer holandês Wilbert Das, durante os anos que atuou como diretor criativo da grife de moda italiana Diesel, de 1993 a 2009. Porém, mesmo em face a longas temporadas de desfiles, sempre que uma brecha se abria suas escapadas tinham um destino certo: Trancoso, no sul da Bahia.
“Já tinha visitado o Brasil outras vezes, mas só descobri Trancoso em 2004, quando amigos italianos me disseram que eu ia me sentir em casa. E realmente eles estavam certos. Gostei tanto que resolvi construir o meu lugar por aqui”, lembra o designer, hoje proprietário do Uxua Casa Hotel, um dos mais badalados e concorridos da região.

“Quando nos deparamos com aquele terreno tão especial, tendo ao fundo nada menos que 7 mil m² de floresta, eu e meu companheiro não tivemos dúvida. Era chegada a hora de dar vazão a outra de nossas paixões, a restauração: tanto de construções quanto de peças de mobiliário”, comenta Das, que sempre viu na atividade um contraponto necessário a toda a agitação que vivia no mundo da moda.
Assim, a medida em que iam sendo adquiridas, 11 casas vizinhas foram restauradas pela dupla, dando origem a um conceito de hospedagem até então desconhecido na localidade, o de casa hotel, ou, em outras palavras, um hotel onde a sensação de se estar em domicílio vem acompanhada dos serviços de um 5 estrelas. “Não foram apenas a beleza da natureza intocada, nem o passado histórico, bem preservado da região que nos estimularam a ir em frente. Os aspectos humano e cultural foram também determinantes”, diz.

“Trancoso sempre foi um destino isolado. Reutilizar aqui é uma atitude quase natural. Eu entendi que, combinando uma perspectiva de design internacional com os talentos locais, algo mágico poderia acontecer”, afirma o designer que cedo se deu conta de que não só era possível, mas que poderia ser comercialmente viável, construir e decorar as dependências de seu hotel com materiais locais, sobretudo orgânicos e reciclados.
E foi dessa forma que nasceu a Uxua Casa, a primeira linha de design totalmente produzida em Trancoso, com mão de obra nativa. Artesãos e índios Pataxós que trabalham sob a supervisão direta de Das nas dependências de seu hotel, produzindo móveis para interiores e exteriores, além de sofás, luminárias e artigos de cama como cobertores e travesseiros. Todos confeccionados à vista dos hóspedes e frequentadores.

Os móveis são feitos com madeira reciclada proveniente de casas antigas e barcos de pesca. Os produtos macios, tecidos à mão, principalmente com algodão e linho. “Os visitantes ficam fascinados de ver o processo e com a simpatia de nosso tecelão, Evandro”, comenta. Ocasionalmente, alguns produtos ganham detalhes de contas e sementes, obtidos junto a índios como o guerreiro Pataxó, Tapurumã.
“Durante a construção do hotel, uma vez fomos caminhar juntos no Monte Pascoal e conhecemos o Tapurumã. Ele é ótimo em desenho, o favorito na sua aldeia para fazer as pinturas rituais nos corpos. O convidei para trabalhar comigo na criação de um jogo de almofadas e desde então não paramos mais”, conta.
Fascinado pela infinita variação de padrões geométricos presentes na arte indígena, o designer tem planos de estreitar ainda mais a parceria. “Essa colaboração é realmente um privilégio para mim. Desde que começamos este trabalho, nunca repetimos um único padrão. Não há dois produtos iguais entre os que criamos e isso é muito, muito emocionante”, comenta o designer que vê a linha casa, que até o momento só pode ser adquirida no local, como a continuidade de sua história de vida com Trancoso.
“Disso realmente me orgulho. Ter ajudado a criar uma pequena microeconomia totalmente sustentável, com habitantes locais fazendo coisas bonitas, que respeitam todos os meus valores de ecologia e preservação cultural”.
