Cristina Celestino
Design
“O design é a narrativa que vai além da forma, estética e funcionalidade”, afirma Cristina Celestino

Cristina Celestino é a Designer of the Year 2022, da Maison&Objet Paris, a maior feira de decoração da França e uma das maiores exibições de décor do mundo. O reconhecimento não surpreendeu quem conhece o setor e muito menos a homenageada. Aos 42 anos, a italiana, nascida em Pordenone, no norte do país, formada em Arquitetura pela Universidade de Veneza e que desembarcou em Milão há mais de 10 anos, é considerada "queridinha" no universo do design. E não é para menos: ela é puro talento e profissionalismo.
"Um dos segredos do sucesso na nossa área é dedicação e trabalho. E muito", comenta ela em entrevista por telefone para a HAUS. E os trabalhos de Cristina Celestino atestam por si só porque ela conquistou o público e a crítica durante a última Semana de Design de Milão. O estilo "narrativo" que se revela em seus projetos de interior design e seus produtos possuem a capacidade de recriar sensações e emoções com o auxílio de materiais inovadores, muita pesquisa, texturas, influências arquitetônicas e orgânicas.
O Salão do Móvel de 2022, que aconteceu em junho passado, marcou os 60 anos do evento e mais do que nunca seus projetos - quase uma dezena - estavam em mostra por toda a cidade. Houve quem dissesse que seria até mesmo possível criar um "Cristina Celestino District Design". Como você se sentiu tendo sido eleita uma das grandes "musas" da Semana do Design de Milão?
Estressada e superocupada (risos). Na verdade, brincadeiras à parte, este tem sido um ano especial depois de uma pausa de vinte quatro meses entre pandemia e SuperSalone [2021], em versão compacta. Para mim, como designer, é um grande prazer poder assinar tantos projetos e ter tido a possibilidade de mostrá-los -- quase que a maioria -- nos arredores de Brera. Podemos dizer que era um mini-Cristina Celestino District (risos). O mais importante é que pudemos reviver a energia original do Salão. Enfim, uma experiência muito, muito positiva.
Giovanni De Maio, Etel, Moooi, Gervasoni, Kaldewel, Fornace Brioni e a instalação na histórica floricultura Radaelli. Há um denominador comum em relação aos seus projetos?
Acredito que sim. E espero que esse denominador seja percebido e reconhecido pelo público. Tenho meu método de trabalho estabelecido, o modo como desenvolvo meus projetos, seja para clientes privados ou para empresas. E isso se aplica também na criação de produtos ou decoração de interiores. Sempre com o mesmo espírito. Talvez, a melhor forma de definir o "design" seja a palavra narrativa que vai além da forma, da estética e da funcionalidade. Meu intuito é "contar uma história", por meio da pesquisa, do diálogo com o cliente ou da inclusão de elementos orgânicos e geométricos.
Quais são as suas principais fontes de inspiração?
São muitas as fontes de inspiração que se confluem na minha obra. Com certeza, o mundo da arquitetura; até porque sou antes de mais nada arquiteta e uma amante da história desta matéria e do trabalho de grandes colegas de profissão. Sem falar que é uma das minhas paixões. Por exemplo, algumas coleções de cerâmica de terracota para Fornace Brioni são inspiradas na arquitetura barroca. A natureza também me inspira com suas formas, volumes, texturas e cores. E, por fim, há também a influência da geometria que 'regulariza' as linhas orgânicas bem como a importância das proporções e medidas, que são fundamentais para dar um senso de equilíbrio e harmonia ao projeto.
Você pode nos contar um pouco sobre a coleção Panorama, apresentada durante o Salão do Móvel? Como foi a imersão no modernismo brasileiro para conceber as peças novas para a Etel?
Foi um grande prazer colaborar com a Etel, principalmente pela sua importância na reedição de peças de grandes maestros da arquitetura e design brasileiros. São produtos de grande valor e que serviram de fonte de inspiração. Trabalhar de perto com Lissa Carmona (CEO da marca brasileira e filha de Etel Carmona) me deu a oportunidade de 'respirar' esse cultura, que é distante da europeia. E é exatamente esse híbrido de culturas o que me atrai. A coleção se chama Panorama porque quisemos criar uma conexão entre os dois continentes e as duas culturas que, embora sejam tão diferentes, possem muitas afinidades. Minha inspiração, além das obras do modernismo brasileiro, se concentrou na arquitetura brutalista de Oscar Niemeyer, nos projetos de paisagismo de Burle Marx, com suas formas sinuosas e geométricas. Tudo isso, é claro, com um olhar pessoal e, ao mesmo tempo, com o uso de materiais locais, principalmente da madeira.
E por falar em lançamentos na Semana do Design de Milão: o novo sofá da Moooi. Como você chegou no design e nos materiais para o desenvolvimento do produto?

Aldora é uma peça muito tradicional e, ao mesmo tempo, muito confortável e comoda, que nasce um pouco da uma minha reinterpretação dos clássicos sofás milaneses dos anos 1930. Um dos pontos interessantes deste projeto é justamente o encosto que não é contínuo, mas dividido em duas partes como se fossem duas asas separadas. Houve um grande estudo do projeto, e é claro que o tema da natureza esteve presente. O encosto pode nos levar a pensar em pétalas de uma flor ou asas de um inseto. Uma tipologia tradicional que traz consigo referências do mundo orgânico. O objetivo era que fosse um móvel confortável, perfeito para estar em companhia, o que representa muito bem a filosofia de Moooi com seus produtos irônicos e contemporâneos.
Como é para você chegar a um patamar tão pop dentro do setor, com o reconhecimento oficial da Maison e Objet e de diversas marcas italianas e estrangeiras dentro da Semana de Design de Milão?
É um reconhecimento importante, mas continuo sendo a mesma Cristina de sempre. Sou uma pessoa muito comprometida com o meu trabalho, procuro sempre dar o máximo. Todo projeto é muito estudado, elaborado com um estreito diálogo com o cliente. Há sempre um intenso trabalho por trás de cada obra, produto ou decoração. E hoje, o que me deixa muito feliz é poder, cada vez mais, assinar projetos de interior design onde eu, como arquiteta, posso não só criar um espaço como também dar vida a móveis, peças e acessórios.
Suas criações tem uma base de pesquisa histórica muito consistente. Como você faz isso e quão importante é para você essa imersão técnica e nostálgica?
Eu diria que essa imersão faz parte do meu método que se revela em minhas criações: muita pesquisa, mas também muito da minha experiência de vida, da minha visão, ou seja, uma minha leitura pessoal. Não há um só ingrediente, mas muitos elementos que acabam convergindo para a elaboração de um projeto. Acredito que isso seja fundamental para que se atinja uma perfeição criativa. É indispensável conhecer o passado -- até para se ter uma ideia do que foi criado anteriormente -- e, assim, oferecer algo novo.

Emoção e sensação são elementos presentes em suas criações como, por exemplo, o projeto do Palais Exotique, o temporary restaurante apresentado durante a Maison&Objet, de Paris, no mês de setembro, com um cenário exótico e colorido. Que experiências você mais gosta de passar ao público através do seu trabalho como designer e arquiteta?
Hoje, o mercado e as marcas oferecem uma quantidade infinita de produtos e, ano após ano, fica difícil dar vida a algo de novo, de significativo. Eu, com meus projetos, procuro justamente isso. E não toco nem mesmo no tema da funcionalidade, que é uma característica obrigatória para qualquer peça desenhada. O importante, hoje, é apresentar algo novo, seja em relação aos materiais, à uma nova interpretação estética. E, por fim, proporcionar uma experiência exclusiva ao consumidor em relação ao produto.
O setor do design sempre foi um universo muito masculino. É claro que as designers vêm, ano após ano, mostrando talento e profissionalismo. Como foi para você ingressar no início da carreira?
Antes de mais nada, vale lembrar que não é só no design que se vive esse universo masculino, mas também em outros setores. E é um problema da nossa sociedade embora, nos últimos tempos, as mulheres venham conquistando cargos de relevância. No início, acredito que foi difícil porque, além de ser mulher, era jovem demais e tive que trabalhar dobrado. Mas, ao mesmo tempo, nós mulheres, por sermos polivalentes -- somos mãe, profissional, esposa --, nos tornamos mais fortes e também mais estressadas. Mas, no final, damos sempre conta do recado.
O que é preciso para um designer se afirmar em um campo tão competitivo?
Ser curioso, sem dúvida nenhuma. Saber observar mais do que simplesmente olhar. Perceber as particularidades, os detalhes, descobrir e criar histórias, dialogar, escutar e interpretar as exigências do cliente.
Quais os próximos projetos de Cristina Celestino?
Estou trabalhando em um projeto de interior muito importante onde, inclusive, irei desenhar os móveis e peças de decoração. Além disso, continuo na direção criativa de novas coleções para a Billiani, empresa líder na produção de cadeiras de madeira, que sempre esteve ligada ao design e às cerâmicas em terracota da Fornace Brioni. Há também outras colaborações sobre as quais, por enquanto, prefiro manter um certo suspense (risos).