Autora do primeiro livro sobre design de superfície no Brasil (Desenhando a Superfície, publicado em 2010 pela editora Rosari), a designer e consultora de cores Renata Rubim começou a se interessar por colorir e desenhar estampas e padrões antes mesmo de saber que o termo “design” existia, muito menos o “de superfície”. Carioca de nascimento, mas morando em Porto Alegre desde os anos 1960, Renata só deixou a cidade por longos períodos em duas ocasiões: para estudar no Instituto de Artes e Decoração, em São Paulo; e para aprimorar técnica e conhecimento para trabalhar com revestimentos no Rhode Island School of Design, nos EUA.
Hoje, suas padronagens estão impressas em revestimentos de parede e piso, tecidos, porcelana e plástico e a lista de clientes do escritório Renata Rubim Design & Cores é formada por empresas como Coza, Termolar, Sanremo, Tok&Stok e S.C.A. Neste ano, dois trabalhos de sua autoria – os revestimentos Catavento e Praga – receberam o “oscar” mundial do design de produto, o IF Product Design Award, na Alemanha.
Nesta entrevista concedida por e-mail à Viver Bem Casa & Decoração, Renata conta um pouco sobre seus projetos, processo criativo e a situação do design no Brasil.
Aos quatro anos você já criava estampas e desenhos de tapetes. Você se lembra de alguma influência?
Lembrança eu não tenho, mas tenho suposições. Meus pais não tinham quase nada porque suas famílias tinham perdido tudo na 2ª Guerra Mundial, mas o pouco que tinham era simples e de bom gosto. Provavelmente tínhamos algum tapete em casa com franjas, pois os desenhos dos tapetes têm franjas.
Como foi passar dos teares ao computador? A ferramenta utilizada altera seu processo criativo?
Antes dos teares houve desenhos, ou melhor, tentativas de desenhos. A criação tinha sido reprimida durante os anos de colégio com didáticas equivocadas. Só sentei num tear a primeira vez aos 19 anos. Foram alguns anos, o restante foi nas pranchetas, mesmo. Já o computador veio muito tempo depois. Altera sim o processo criativo em agilidade e nos acabamentos. Na verdade, fui do lápis para o guache e depois para o computador. O guache é uma ferramenta maravilhosa! Mas quem vai poder usar na urgência cotidiana atual?
No seu site há uma linha do tempo que conta a evolução da relação humana com as cores. No começo, era apenas decorativa, hoje é possível atribuir significados diversos. Ainda há espaços para mudanças na nossa relação com as cores?
As cores eram também narrativas, “mágicas” e provavelmente já com significados atribuídos. Tudo muda de acordo com a evolução, seja ela científica, cultural, espiritual, política, etc. O mais importante em relação à pesquisa cromática é observar como as cores têm significados diversos em tradições diferentes, às vezes num mesmo país em regiões distantes umas das outras. No Brasil, temos diferentes relações com as cores do sul para o norte. Outro fato é que a cor nunca é vista de uma mesma maneira pelas pessoas, porque depende das conexões neurais no cérebro de cada um. Além disso, cada povo, cada credo, cada filosofia tem seu próprio idioma cromático.
Sua criação não é apenas no campo da padronagem e cores, mas também no formato e relevo do objeto, como podemos observar no revestimento Catavento. O que é mais importante para você na hora de criar?
Criar em design é projetar para um cliente, uma empresa, uma matéria-prima, um mercado. Então, a primeira coisa é conhecer profundamente a produção e o foco do cliente. Aí se entra com o processo que compreende criação, testes, análises e muita troca de ideias com as equipes envolvidas. Não existe processo completamente solitário. Na fase de conceituação, que é a primeira após o contato inicial com o cliente, normalmente sigo minha intuição, meus primeiros flashes de ideias e preciso estar só. Portanto, o que é importante na hora de criar é trazer para mim as necessidades do meu cliente e traduzi-las da melhor maneira. Com cuidado, com foco e em sintonia com o mercado.
Você recebeu dois prêmios do IF Products Design Awards, na Alemanha, inclusive com o revestimento Praga, que já havia sido inscrito em prêmios nacionais, sem êxito. O Brasil demora a reconhecer seus profissionais?
Não é só no Brasil. Parece que é do ser humano, a crença de que “santo de casa não faz milagre”. Mas ainda assim vejo que muitos brasileiros fazem sucesso aqui. Talvez tenha mais a ver com o estilo de cada pessoa, as pessoas mais extrovertidas terem mais facilidade, coisas assim. Quem acaba sendo reconhecido lá fora, certamente terá mais visibilidade aqui, mesmo se expondo menos do que deveria.
Com esses prêmios, você espera alguma mudança no cenário brasileiro para o design de superfície?
Sim. O que ainda faltava era reconhecer verdadeiramente que projetar superfície não é um trabalho puramente decorativo, estético. No caso dos dois projetos premiados a sustentabilidade é real, não é “superficial”. Precisamos cada vez mais desvincular o glamour do design.
De onde vem essa ideia de que o design é algo glamuroso?
Na Europa, antes da Revolução Industrial, os produtos eram manufaturados. Eram de difícil execução e, portanto, inacessíveis à maioria das pessoas. Eram objetos de luxo. Com o surgimento da produção em série houve uma necessidade de se retirar o excesso, de se “limpar” os projetos e o desenho. A escola Bauhaus surgiu e trouxe o conceito de design como projeto, processo e função. O resultado era cada vez mais, e principalmente, utilitário. Essa “limpeza” excessiva provocou nos anos 1980 um movimento contrário, principalmente com o Grupo Memphis, que “radicalizou” agregando o orgânico – quase barroco – e o supérfluo para a produção de design. Enquanto isso, aqui no Brasil, o design como fator cultural ficou à margem, frequentando mais as áreas de arquitetura e um pouco de interiores. Continuávamos com a linguagem opulenta do passado e se confundia design com o glamour, com os objetos de desejo. Poucos setores entenderam que design não se limita a mobiliário, carros, objetos de adorno. O design está embutido em tudo o que convive conosco e deve se propor a contribuir em melhorar a qualidade de vida e de trabalho de qualquer cidadão. Se o projeto for bom ele consequentemente será belo.
E o design de superfície, no mercado em geral, ainda é visto como mera decoração?
Certamente que sim. Mas não é um fato isolado, porque no nosso mercado o design em geral ainda é visto com um olhar distorcido do seu real significado e valor. O design é muito mais do que glamour e estética. É refinado na medida em que serve aos mais diferentes aspectos e necessidades da vida em geral.