Vida pela arte

Decoração

Precursora da arte contemporânea em Curitiba, Zilda Fraletti segue lançando artistas

Sharon Abdalla
15/06/2022 15:03
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Zilda Fraletti, incentivadora da arte contemporânea na cidade

Quase quatro décadas. Nos dias de hoje é difícil imaginar – e são poucos os exemplos restantes – que uma empresa siga firme e saudável, em reputação e finanças, passados 38 anos de sua abertura, para sermos exatos. Ainda mais quando o seu produto tem um valor que beira o imensurável. Afinal, o que define o valor de uma obra de arte? O tempo? Uma assinatura de peso? Uma foto viral nas redes sociais? Os sentimentos que ela evoca? Difícil calcular. Mas o que se pode dizer com exatidão é que nesses cerca de 40 anos a empresária Zilda Fraletti fez da galeria que leva seu nome, e que hoje tem Carlos Cavet (há 15 anos na empresa) como sócio, sinônimo de oportunidade, descoberta e amor pelas artes – em especial a arte contemporânea.
São incontáveis os artistas que foram lançados no mercado ou que passaram pelas paredes da galeria. Incalculáveis, também, são os clientes, que mesclam apaixonados pelas artes plásticas àqueles que passaram do completo desconhecimento deste universo ao colecionismo. Com a experiência da idade, mas mantendo o espírito inovador, a galeria exala uma jovialidade que faz jus à atualidade dos tempos e à energia de sua fundadora, que recebeu a equipe de HAUS para um bate-papo repleto de histórias e significados. Confira!
Zilda fez da galeria que leva seu nome sinônimo de oportunidade, descoberta e amor pelas artes.
Zilda fez da galeria que leva seu nome sinônimo de oportunidade, descoberta e amor pelas artes.

São quase quatro décadas de Galeria Zilda Fraletti. O que você vê quando olha em retrospecto? 

Gratidão. Não foi fácil. Quando eu comecei, em 1984, foi com os grupos de conhecidos, com dez pessoas, para adquirir obras de determinado artista – o Zimmermann foi o primeiro. Foi algo muito rápido, começamos com dez pessoas: eu, minha mãe, meu ex-marido, amigos e, no mês seguinte, já eram três grupos. Em seis meses tínhamos mais de dez grupos, mais de cem clientes. Demorou para cair a ficha de que eu comecei incentivando o colecionismo. Até hoje encontro muita gente que fala: “Eu comecei a comprar arte com você.”
A minha mãe tinha visto esse modelo de consórcio em Londrina, comentou conosco e pensamos: por que não fazer?. Aconteceu. E até hoje fazemos os grupos, o Clube de Colecionadores, justamente para facilitar a aquisição de obras de arte pelas pessoas (parcelamos em 10 vezes o preço de tabela). Essa é a maior recompensa, ver as pessoas se apaixonando pela arte. Para mim foi muito difícil encarar a galeria como um negócio. Para mim, ela é quase uma instituição, que tem a função de mostrar os artistas contemporâneos.

Por que essa predileção pela arte contemporânea? 

Acho que isso tem a ver com o tempo em que morei em Londres com os meus tios, em 1978 e 1979. Foi lá que a paixão pela arte despertou em mim. Eu sempre convivi com arte. Meu pai era psiquiatra, diretor do Hospital Psiquiátrico do Juqueri, em São Paulo. E ele, com o Dr. Osório Cesar, que era ex-marido da Tarsila do Amaral e psiquiatra também, implantou a escola de arte para os doentes mentais. Nós tínhamos muitas obras dos bazares dos pacientes, e lá tinham artistas incríveis. Além disso, ele tratava de muitos artistas e acabava comprando suas obras.
Mas a paixão nasceu em Londres. Meus tios eram amigos de quase todos os artistas importantes da época. Aos domingos à tarde sempre visitávamos museus. Lá, encontrei o Zimmermann e o Juarez Machado, ficamos amigos e saíamos quase todos os dias para visitar exposições. Toda semana eu visitava a National Gallery, entrava nas galerias grandes com a maior cara de pau.
A possibilidade da arte contemporânea que estava acontecendo naquele momento, víamos todos os artistas muito próximos de quando eles estavam acontecendo. Mas eu pensava: “Abrir mais uma galeria para vender os mesmos artistas? Se é para fazer, vamos fazer algo diferente, até para colocar Curitiba nesse olhar mais contemporâneo.” Metida, né? (rs)

Pode citar alguns artistas que a galeria colocou no mercado? 

Na época em que inaugurei aqui trabalhávamos com o Zimmermann, Mazé Mendes, [Armando] Merege, Teca Sandrini, [entre outros] que já trabalhavam em outras galerias também. Depois, aos poucos, fui trazendo artistas de fora, como o Carlos Vergara, Emanoel Araujo, Manfredo Souza Netto, Claudio Tozzi. Sempre, conforme foi passando o tempo, fui fazendo o que mais gosto, que é pegar artistas novos que estão começando e ir acompanhando, porque a relação artista-galeria é uma via de duas mãos. A galeria sozinha não faz nome de artista. O artista precisa fazer exposições institucionais, participar de concursos, estar no meio, se desenvolver. Aqui temos vários assim: com o André Mendes, por exemplo, começamos em 2005. Com a Juliane Fuganti e o Marcelo Conrado também trabalhamos desde o começo. O Eduardo Custódio, Eduardo Freitas, que agora está em Portugal, Adriana Brzezinska... Vamos vendo esse crescimento deles, é maravilhoso!
Estamos com vários artistas novos daqui, como Verônica Filipak, de arte têxtil, Cleverson Oliveira, que morou em Nova York, Bruno Marcelino, que também já tem uma história. São pessoas jovens que já tem um background, uma história.
A galeria completa 38 anos com uma jovialidade que faz jus à atualidade dos tempos e à energia de sua fundadora.
A galeria completa 38 anos com uma jovialidade que faz jus à atualidade dos tempos e à energia de sua fundadora.

Quantos artistas já passaram pela galeria? 

Não sei dizer. Já foram muitos... Uns cem, será? Deve ser mais do que isso (rs). Por isso que hoje em dia não dá para trabalharmos com quem está muito no começo. Os artistas são todos profissionais.
Eu sempre pensei como aquela história do Milton Nascimento, “a arte tem que ir onde o povo está”. Eu achava que a arte não tem que estar dentro da galeria, porque eu sei que galeria dá medo. Se pensarmos em termos de população, quantas pessoas sabem falar sobre ou conhecem arte? Muito poucas. E isso não é culpa de ninguém. É culpa de uma sociedade que não valoriza tanto e não ensina desde pequeno. Eu soube de faculdades de Arquitetura que não têm História da Arte. Como, se a história da arte é a história da gente? Não são ETs que estão fazendo obra de arte no mundo. Ela está sempre ligada ao momento histórico. Pela arte você estuda história. A arte é a marca da gente na vida. Ela muda o todo da pessoa, até a postura perante a vida. O tempo muda, a passagem do tempo pode mudar quando você está fruindo algo artístico. E é um poder fortíssimo. Não é à toa que todas as ditaduras ou mudanças políticas muito grandes querem acabar com a obra de arte [anterior], sumir com a cultura, porque [na visão deles] ela atrapalha, mexe com as pessoas. É forte, né?

Como você vê o lugar que a arte ocupa e o que falta para que as pessoas percam o medo dela? É apenas uma questão de incentivos e iniciativas públicas ou individuais, também?

As duas coisas. Se você falar de pessoas que tiveram acesso a isso e não se abriram, entra nessa segunda questão do “está aí, mas eu não estou dando nem bola”.  Mas muita gente não teve nem o primeiro acesso. Uma vez eu estava no MON, não me lembro agora o nome de quem me contou sobre o programa do museu com as crianças. Dali, elas levam o folder para casa e mostram para a família. De alguma forma, aquela criança consegue levar a família para lá. E [a equipe do MON conta] que acontece muito de uma criança levar a família, daí vão os vizinhos e se vai criando essa rede.
Claro, tem gente que vai continuar igual, mas tem gente que é tocado. E uma pessoa que muda às vezes muda gerações, a vida vai ficar melhor para elas. Hoje, o mundo está sem transcendência, e a arte é transcendência. O que o mundo tenta jogar para as pessoas é muito duro, muito material, e não espiritual. Se ela começa a entrar na arte, ela vai perceber que não é só aquilo, só matéria. Eu não preciso na vida só de roupa, de carro. Não é só isso. Não é possível que a gente veio para esse mundo só para isso. Temos que ter algo a mais, e a arte ajuda nisso.
São incontáveis os artistas que foram lançados no mercado ou que passaram pelas paredes da galeria.
São incontáveis os artistas que foram lançados no mercado ou que passaram pelas paredes da galeria.

Além da arte, você também é uma entusiasta do design. A galeria já recebeu exposições de design e você sempre divulga o setor. Como vê o design? Em que sentido ele se assemelha e se distancia das artes? 

Eles foram se misturando de uma forma... Temos visto artistas migrarem para o design e designers migrarem para as artes, isso está superfluido. E eu penso que tudo é muito ligado, porque tudo é criação, nasce dessa vontade de mudar algo que está no mundo, de fazer algo que não foi feito. Mas o design tem ainda essa característica da função, porque as pessoas irão usar, você está criando coisas para tornar a vida das pessoas melhores. E a arte, não. O principal da arte é não servir [fisicamente] para nada.
Estou achando maravilhoso ver cada vez mais como as pessoas estão querendo consumir design para conviver com coisas bonitas, diferentes e pensadas por outra pessoa. Tenho paixão pelo design. Nunca me esqueço do dia em que entrei no Centre Pompidou e levei o maior susto quando fui andando e me deparei com uma sala só de Philippe Starck. “Como assim? Alguma coisa está acontecendo”, pensei. Eu vejo tudo muito ligado, tanto que a SP Arte tem uma seção de design que está crescendo ano a ano.

Falando em SP Arte, esse ano a galeria estreou na feira. Como foi essa participação? 

Havíamos participado de duas edições virtuais durante a pandemia, e agora na presencial. Foi maravilhoso! A curadoria foi feita por nós, pelo Carlos e por mim, e nós escolhemos os artistas nossos que têm uma carreira sólida com história, exposições... Levamos sete artistas daqui e seis de São Paulo, Minas Gerais... E foi incrível, algo que não esperávamos. Nosso estande vivia cheio de gente e nossos artistas chamaram muita atenção. Nos sentimos validados. Valeu a pena!

E do Clube de Colecionadores, como é possível participar? 

Basta entrar em contato. A gente explica bem como funciona e se a pessoa gostar dos artistas – porque ela vai formando um crédito para retirar obras desses artistas –, pode participar. O mínimo são R$ 300 mensais. Temos obras com valor mais baixo do que esse na galeria, mas para os grupos trabalhamos com essa média, do contrário não justificaria o parcelamento em 10 vezes. Faz tempo que praticamos esse valor, sem atualizá-lo, justamente para atrair mais pessoas.

Para finalizar, há alguma mensagem que você deseja deixar? 

O que eu acho mais importante é que as pessoas deem atenção, se abram mais para a arte. Não como algo chato ou uma obrigação. Tem muita gente que não conhece o MON, e ele tem quase 20 anos. Uma vez eu postei uma foto minha com os meus netos no museu e uma pessoa perguntou: “O que você faz com criança em museu?”. Ué, o mesmo que adulto faz: vamos ver obras de arte, andar, ir no Parcão. As crianças fazem o mesmo que a gente, mas é preciso abri-las para isso. Você não precisa falar sobre teoria para criança. O Picasso dizia que todos nós nascemos artistas, mas com o tempo vamos deixando de sê-lo, porque vamos colocando muita coisa em cima. Mas, no fundo, se formos nos soltando, podemos ter essa abertura para receber o que vem, que é o que é mais importante. Tem que se abrir para olhar e deixar que aquilo venha. A arte nos ajuda no autoconhecimento, o que é muito importante. Se a gente se conhece, a vida fica mais fácil. A arte ajuda nisso, ela ajuda em tudo.

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