Decoração

Móveis usados de um jeito novo

Luan Galani, especial para a Gazeta do Povo
27/02/2014 03:18
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Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. A frase famosa do químico francês Antoine Laurent Lavoisier, considerado o pai da química moderna, explica, quem diria, um conceito do design contemporâneo: o upcycling. A reciclagem criativa, termo em português, trata de reutilizar materiais e objetos que seriam descartados, dando uma segunda vida ou função à peça, para evitar a produção de um novo objeto e a eliminação de outro. Para exercitar isso, a Viver Bem Casa & Deco­ração convidou quatro profissionais – os decoradores Lupércio Manoel e Souza e Yara Mendes, o arquiteto Marcelo Vacção e a designer de interiores Isabella Torquato Melendres – para garimparem peças nas lojas de móveis usados da Rua Riachuelo, região central de Curitiba, e dar a elas nova vida em quatro ambientes diferentes.
Em duas semanas, eles, acompanhados da equipe de reportagem, vasculharam a região atrás de peças com potencial para serem reformuladas. Avisada de antemão sobre a proposta, a maioria dos comerciantes das lojas de móveis concordou em participar, negociou muito e deu verdadeiras aulas sobre a história dos móveis.
A estreia foi de Lupercio Manoel e Souza, que, apesar de ficar tentado a escolher uma penteadeira ou um sofá com curvas e pés palito, típico dos anos 1960, foi fisgado por uma bancada de marceneiro. Isabella Torquato Melendres veio de Santa Catarina para Curitiba só para a matéria e se esmerou na negociação da mesa lateral desejada. Queria pintá-la, mas o dono da loja não deixou. Teve de escolher outra. Marcelo Vacção, por sua vez, quase encheu um caminhão com todas as suas pretensas apostas, mas ateve-se à ideia inicial de criar um ambiente com um toque dos anos 1950 e 1960. E Yara Mendes se mostrou uma inveterada admiradora das lojas de usados: contou curiosidades sobre a região, vasculhou os cantos escondidos e chegou até a namorar um triciclo antigo para dar de presente ao neto. Em sua proposta, o toque final seria dado por um saxofone que estava à venda e acabou sendo disputado por outras três pessoas. A lei da oferta e da procura falou mais alto e outro interessado acabou levando o instrumento.
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É mundialmente reconhecido que o termo upcycling foi cunhado oficialmente em 2002 pelo arquiteto norte-americano William McDo­nough e pelo químico alemão Michael Braungart no livro Do Berço ao Berço – Refazendo a maneira como fazemos as coisas (Cradle to Cradle – Remaking the way we make things), um manifesto que revolucionou a maneira de enxergar a sustentabilidade na decoração e na arquitetura. Eles perceberam que, há mais de 200 anos, desde a revolução industrial, adotou-se um modelo de produção linear baseado em extrair, fabricar, utilizar e descartar.
“Por isso, upcycling significa estimular um método de produção inteligente e sem desperdícios, em que o fim da vida útil de um determinado produto representa o recomeço e a criação de outro novo e ainda melhor, em que os materiais possam ser recuperados ou reutilizados”, explica Braungart em entrevista exclusiva direto de seu escritório em Hamburgo, na Alemanha. “É desejável que funcionemos em ciclos, como a natureza, que faz isso sem restrições há 3,8 bilhões de anos e sem gerar algo inútil e tóxico como o lixo.”
No cenário internacional, os irmãos Campana são os porta-vozes mundiais da reciclagem criativa, como destaca o empresário João Livoti, da Desmobilia, que também é designer formado em desenho industrial. “Há mais de 20 anos, materiais descartados renascem e são enobrecidos nas mãos do duo de designers, que dão novo significado aos objetos do cotidiano”, pontua o empresário. São poltronas e outras peças compostas por bichos de pelúcia, papelão, fios emaranhados, pedras, madeira, entre outras centenas de materiais. No prefácio do livro Campanas (Editora Bookmark, 2003, 445 páginas), a curadora Maria Helena Estrada destaca que “Fernando e Humberto andam pela cidade, são atraídos por vendedores de rua e por lojinhas de bric-à-brac (móveis e objetos usados), tiram do cotidiano popular a inspiração para suas criações, percorrem o mundo e retornam para o campo – Brotas, a cidadezinha onde cresceram. Esse ir e vir constante traz como resultado uma obra de matriz brasileira e expressão universal”.

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