Décor
Decoração
Cozinha é redescoberta como coração da casa e espaço de integração

Cozinha da chef Kika Marder é totalmente aberta e integrada à área externa. | Fernando Zequinão/ Gazeta do Povo
Kika Marder era muito pequena quando sua avó materna faleceu, mas a convivência foi suficiente para que ela guardasse na memória o carinho colocado pela avó em toda refeição que preparava e estabelecesse uma relação especial com a cozinha. “Cozinhar, para mim, é um ato de amor – que é o que eu recebia da minha avó”, diz. Foi por isso que ela se tornou chef e que sempre teve o hábito de cozinhar para sua família e seus amigos.
Até cerca de dois anos atrás, refeições do dia a dia e os eventos especiais comandados por Kika aconteciam na cozinha integrada à sala de estar que ela tinha em seu apartamento. Mas, quando teve a oportunidade de construir uma casa “do zero”, a chef não teve dúvidas: pediu logo duas cozinhas, com propósitos diferentes, para atender suas demandas e deixar clara a importância desse ambiente na residência.


Para quem trabalha arquitetura e interiores, o olhar que Kika lança sobre o ato de cozinhar é algo que se popularizou mesmo antes mesmo da pandemia colocá-lo ainda mais em evidência. Com isso, deu à cozinha o status de coração da casa e fez com que ela se tornasse um ambiente mais social do que no passado. “Nas décadas de 1970 e 1980, cozinhar na frente dos outros não era uma situação requintada. Hoje, o maior amor que você dá para o convidado é participar do processo da refeição que você está preparando com carinho”, explica o arquiteto e sócio do Studio MG2 Rafael Gimenez Gonçalves.
A partir disso, cresceu também o interesse das pessoas em gastronomia. “Viemos percebendo que a importância da cozinha dentro da casa vem crescendo ainda mais. Como percebemos? Com o crescimento do interesse dos brasileiros pela gastronomia e o acesso cada vez mais fácil a produtos de alto padrão, à culinária especializada. Muitos programas de TV ganharam destaque, cozinheiros viraram celebridades. Isso tudo criou um incentivo maior para as pessoas irem para a cozinha”, afirma o gerente de produtos da Kitchens, Carlos Fukano.
Função vem primeiro
Com toda essa atenção, as cozinhas passaram a ser pensadas para serem funcionais, acolhedoras e bonitas. Porém, devido ao objetivo específico do ambiente – o de preparar alimentos – é a funcionalidade que, conforme os pro - fissionais da área, deve vir primeiro.
Assim, um dos principais pontos é projetá-la de acordo com a regra do triângulo, que estabelece a melhor relação entre os pontos essenciais para cozinhar. “É o famoso triângulo da cuba conversando com o refrigerador e o fogão. A distância entre eles é superimportante: não importa se sua cozinha tem 20 metros de comprimento, você tem que ter um alcance da pia no refri - gerador e no fogão. Isso torna uma cozinha funcional e às vezes até briga com a estética”, explica a arquiteta Carla Grüdtner.
Arquitetos e designers dizem ainda que é importante haver um espaço para preparo do alimento entre o fogão e a cuba, que se for dupla ou tripla, ajuda a organizar a louça suja. Uma circulação que não cruze o triângulo de trabalho também contribui para a funcionalidade do ambiente.
Outro ponto importante é a ergonomia de bancadas e armários, que devem considerar a altura de quem vai usar a cozinha com mais frequência e a facilidade de acesso. “Os armários de armazenagem para o dia a dia não devem ser muito altos, até o teto: devem ser sempre à mão, que você não precise pegar uma banqueta para alcançar”, afirma o arquiteto da Mobitec, Eden Silva. Para os armários baixos, a preferência é por utilizar gavetas para que a pessoa consiga alcançar o fundo sem se abaixar.
É preciso lembrar ainda que a qualidade dos eletrodomésticos – e não quantidade – também é essencial para que o espaço cumpra sua função adequadamente. “A escolha do fornecedor é muito importante, porque tem que ter qualidade, dar assistência boa. Usamos muito [os eletrodomésticos], então vira e mexe precisa de assistência”, diz Kika.

Integração
Antes de pensar na funcionalidade, porém, é preciso decidir sobre o modelo de cozinha que se quer, já que a mudança na relação das pessoas com o cozinhar fez com que as cozinhas “ganhassem espaço” dentro das residências, tornando-se muitas vezes integradas às áreas sociais da casa, como a sala de jantar e o living. “Mais da metade dos projetos que desenvolvemos hoje ou têm uma planta com cozinha integrada ou são reformas para abrir a cozinha”, conta a designer de interiores da Criare, Lanessa Fontana.

A integração é feita a partir da abertura de espaços que permitam a livre circulação entre ambientes. Por vezes essa circulação é completa, mas dependendo da planta ou até da vontade dos proprietários, ela também pode ser parcial. Nesse modelo, geralmente usam-se ilhas, bancadas ou mesas – e às vezes até a combinação de elementos – para fazer a transição de um ambiente para o outro.
“A ilha limita o sentar, né? Às vezes a família é maior e ela quer integrar. Aí outra maneira de fazer a integração é com uma mesa. Ela não precisa estar dentro da cozinha, basta ter passagem livre para ela. Tudo vai da concepção do projeto e do espaço que temos para trabalhar”, avalia Carla.
Quem pretende optar por esse modelo, porém, deve pensar no uso que o ambiente terá – será dedicado apenas a cozinhar ou também servirá para receber pessoas? – e na relação com ruídos, cheiros e (des)organização da cozinha. No caso de Kika, por exemplo, a ideia de ter duas cozinhas veio justamente para resolver o impasse dos cheiros de comida na área social.

“Antes, nunca tinha tido uma cozinha afastada do ambiente da sala, porque quando cozinhamos em casa, por prazer, queremos estar perto das pessoas que a gente ama. Mas quando resolvemos nos mudar, dissemos de cara que era importante a questão das duas cozinhas, porque, com as crianças, você tem a batata frita, por exemplo. Então, pensamos no dia a dia, na funcionalidade”, diz a chef.
Assim, a cozinha do cotidiano é uma que fica isolada da parte social da casa – apesar de contar com mesa e banquetas que permitem que a família esteja junta durante o preparo dos alimentos e até que faça suas refeições ali –, enquanto a de reunir amigos fica em um espaço gourmet que concilia o ambiente de preparo dos alimentos ao de receber convidados. O melhor dos dois mundos.
Para quem não tem a mesma possibilidade que a chef, uma alternativa é tentar colocar ambas as alternativas em uma só cozinha. “Às vezes a pessoa precisa que a cozinha seja mais versátil, que possa integrar com o social, mas também isolar quando necessário. Aí voltaram as portas divisórias”, diz Silva. Ele ressalta que essa necessidade se tornou ainda mais comum durante a pandemia, quando a casa assumiu a função de escola, escritório, academia e tantos outros espaços.
Fogão como ponto de partida
Espaço disponível, uso do ambiente e vontade do cliente são os três aspectos que costumam servir como ponto de partida para o desenvolvimento de um projeto de cozinha. Mas na Residência 777, um projeto de reforma assinado pelo Studio MG2, um fogão Lofra que a família já possuía acabou servindo também como ponto de partida.
“O fogão foi a única coisa que eles trouxeram do outro apartamento. Como é de parede, não fazia sentido embutir numa ilha, por exemplo. E a cozinha não tem um tamanho exorbitante, é uma casa pequena, uma reforma de uma residência de família do início do século”, conta Gonçalves.

O fogão foi então posicionado em frente a uma parede descascada de tijolos maciços – devidamente protegida de espirros vindos das panelas por um painel de vidro – e a partir dele saem duas bancadas: uma com a pia – e ao lado da qual fica a geladeira – e outra que serve para armazenar objetos, alimentos e receber pessoas.
Para o arquiteto, “a bossa” do projeto vem da composição entre os materiais que compõem a estrutura da casa, entre eles os tijolos e madeiras revelados pela reforma da residência em Curitiba. Destaque também para o uso do cimento queimado no piso e a opção por elementos atuais e práticos, como as bancadas da Florense e a decoração criativa feita pelo proprietário com utensílios da cozinha.

Integração visual pela cor
No projeto feito por Carla Grüdtner para o apartamento de uma jovem advogada, a ideia foi criar um ambiente contemporâneo integrando cozinha, sala de jantar e living. Para isso, além de ter circulação livre entre os três espaços, foi feita uma integração visual a partir das cores, sendo o cinza a principal delas.

“Tudo foi feito em tons bem neutros, mas como a cor preferida da cliente é o amarelo, demos pinceladas da cor no espaço”, conta a arquiteta. O amarelo foi usado em nichos e prateleiras da cozinha, assim como no buffet na sala de jantar. Também chamam a atenção a bancada em quartzo Silestone que abriga a cuba, na qual foi esculpido um nicho para abrigar temperos, e a opção de fazer a bancada do cooktop em dois níveis para deixá-lo “escondido” de quem olha da mesa de jantar.

Isolada com ares de integração
Num apartamento que contava com um espaço grande de churrasqueira para receber convidados, a ideia de Lanessa e sua colega Thairine Louise, da Criare, foi manter a cozinha isolada – como na casa da chef Kika. Ao mesmo tempo, por ser um ambiente amplo, optou-se por usar uma ilha, dando à cozinha ares de integrada. “Trabalhamos as banquetas na ilha para ter essa integração [entre quem cozinha e quem está acompanhando]”, conta Lanessa.

A designer de interiores diz ainda que a opção pela décor e cores se deram para acompanhar a preferência de estilo da moradora, que é clássica. “Demos um toque com as portas em estilo provençal, que é uma tendência que está bem forte agora”, conta. Além disso, o objetivo era criar um ambiente que não fosse extravagante e que tivesse leveza.
Estilo clássico revisitado
Uma homenagem ao chef francês Marie Antoine Carême, que viveu entre 1784-1833, a cozinha projetada por Ivan Wodzinsky e executada pela Mobitec traz, em sua essência, simplicidade e praticidade aliadas à elegância, ao estilo clássico e a ideias modernas.
Isolada em um ambiente de 80 m², ela é composta por três bancadas brancas – uma central que contém uma pia de apoio e permite finalizar ou fazer refeições –, uma mesa preta e armários brancos com grandes portas que, quando abertas, se retraem em um compartimento para formar uma grande vitrine.

Ilha e mesa
O projeto assinado pela Arquitetare e executado pela Mobitec segue o conceito hygge, que valoriza o conforto e o bem-estar dentro de casa, apostando em elementos como madeira, cores neutras e decoração simples e minimalista.

A cozinha é totalmente integrada à sala de estar a partir da junção de dois elementos que normalmente fazem a transição entre os ambientes: a ilha, à qual é possível se sentar para ficar mais próximo do cozinheiro da vez, e a mesa, que embora mais baixa que a ilha, amplia o espaço de socialização ao redor do cooktop.