Arrumadinho, certinho, limpinho…
O hotel ficava na Sherbrook Avenue – “ nossa avenida pretensiosa, toda cidade tem que ter uma, certo?” bem diante do Park Royal.
Ao lado do hotel, um enorme edifício – mais um – sendo construído. Quando eu saía pela manhã, a obra já estava a todo vapor, o que se percebia pela movimentação – não pelo ruído, não havia nenhum. Aquele inferno das construções brasileiras, que se tem a infelicidade de aguentar durante os anos em que durar a obra, nem de longe.
Mas o que mais me admirava era ao chegar, à tarde. Os trabalhadores já vestidos para ir embora, pegavam vassouras e iam varrer a calçada – com todo cuidado, para não levantar pó.
Talvez Montréal não seja um bom parâmetro – é considerada uma das cidades mais civilizadas do planeta: riqueza americana com cultura européia. Mas não estou invocando o parâmetro, e sim o exemplo.
De volta ao Terceiro Mundo – e ainda sob o choque cultural – mencionei esse fato em conversa num grupo. E houve quem respondesse:
– Ah, isso é uma neura! Mania de que tudo tem que ser arrumadinho, certinho, limpinho…
Não há como responder a essa colocação com bons modos: a base, a essência, a origem do nosso subdesenvolvimento está toda nessa ideia de que o escracho, a sujeira, a desordem são, mais do que circunstaciais, aceitáveis.
O livro de Jan Gehl, “Cidades para pessoas”, parece um desafio lançado pelo Primeiro Mundo na nossa cara. Ele prega soluções para cidades em que as pessoas andam na rua sem medo, estar em casa ou fora dela é apenas uma opção do momento. As mesmas soluções, em cidades brasileiras, redundariam – como está acontecendo, sempre que há vontade de adotar propostas que ignorem o nosso caos social – em solenes fracassos.
As fotografias são principalmente de cidades, mais do que europeias, nórdicas – elas passaram pela fase do abuso automobilístico dos anos 70 e 80, sentiram o risco do colapso iminente e optaram por ofertar soluções para pedestres e ciclovias. Claro que, onde já havia uma tradição de comportamento cidadão, de ordem e limpeza, foi fácil introduzir novos procedimentos de relacionamento entre indivíduo e cidade.
Quando vejo por aqui monumentos arrancados, prédios pixados, ruas e transporte vandalizados; imagino que, para chegar à habitabilidade plena das nossas cidades – comparável às do Primeiro Mundo – precisaremos de uns quinhentos anos de civilização. Ou mil.