Todos sabemos que não se pode acumular pessoas num mesmo espaço sem alguma sincronia de movimentos, ações e percursos. Nós, humanos, não somos, ainda, suficientemente civilizados para prescindir de sinais externos a nós mesmos.
Usar o escuro da noite para repouso e o claro do dia para trabalho já é um começo. Em alguns casos, a natureza ajuda a organizar a vida: as marés no litoral dão a hora de sair para a pesca. Não sei se as alterações climáticas já fizeram os nortistas perderem o interessante hábito de marcar encontro para “antes da chuva” ou para depois dela.
Na lenta vida das nossas cidades coloniais, o dia começava com os escravos levando para as casas dos senhores água, notícias e fofocas frescas. E toda a vida era referenciada aos toques de sino da Matriz e também das capelas das irmandades, onde estivessem. No sentido administrativo, era o “sino de correr” do Paço da Câmara a convocar os moradores. Os relógios nas torres das igrejas dão mais visibilidade aos toques dos sinos.
Com a industrialização e o crescimento urbano, outros sinais sonoros foram instituídos, principalmente para ajustar a vida individual à produção: o apito das fábricas, hoje em desuso, convoca nada sutilmente os trabalhadores. Lembram do Noel Rosa? “Quando o apito / da fábrica de tecidos / vem ferir os meus ouvidos / eu me lembro de você…”
Mas o referencial mais comum, o que serve a todos, são os relógios públicos em praças, ruas e edifícios. Não por acaso, a pátria da industrialização e da pontualidade tem seu símbolo maior num gigantesco relógio: o Big Ben.
Antes mesmo de os mecanismos de relojoaria se tornarem comuns, relógios de sol davam seu recado – ainda são encontrados nos centros históricos dos burgos italianos, lindíssimos, pintados nas paredes de algumas casas; sob eles, os idosos sentam para tomar sol e conversar ao fim do dia – há séculos.
Há quem considere esses sincronizadores opressivos, agentes do capitalismo fordista. Mas não necessariamente. Eles servem à cidade como um todo, não apenas aos operários. Uma vida social densa, como a contemporânea, não dispensa sincronia, seja nos relógios públicos ou nos de braço, como nos proporcionou Santos Dumont.
Quantos sons são agressivos para algumas pessoas e úteis (para não dizer românticos) para outras? Apitos, zumbidos e outros sinais de trens e de navios, não substituíram “o clarim dos galos”, como dizia Helena Kolody.