Os cães de Bucareste

Key Imaguire Junior
29/10/2015 00:00
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Não habitamos as cidades sozinhos. Felizmente, as compartilhamos com outros seres, que amenizam com sua presença ambientes que são, na maioria das vezes, excessivamente artificiais e desvinculados de qualquer parâmetro natural. Estou me referindo aos bichos que se adaptaram à vida urbana – pouquíssimos. E são deprimentes as notícias de que animais selvagens, escorraçados de seus matos, venham se refugiar em regiões habitadas.
Os cães da bela capital romena são muito sociáveis – vagam pela cidade em matilhas de cinco a dez e são extremamente civilizados, nem sequer latem. Acho que a “Cortina de Ferro” silenciou até mesmo o direito de expressão canina.
Animais de rua, principalmente cães, são desses desperdícios que não se podem perdoar à espécie humana: cada um, é um enorme potencial de bom caráter, de amizade, de alegria – que se abandona. Fica explicado porque nós, humanos, temos cada vez mais mau caráter, somos mais hostis e mais tristes.
Acredito que gerações de caninos bucarestianos se passaram para que aprendessem a esperar, sentados na calçada, a abertura do sinal favorável – e então, atravessar as perigosas e movimentadas ruas junto com um grupo de humanos.
Como todos os guapecas urbanos do mundo, são humildes. Dormem em qualquer canto, mesmo uma cabine telefônica abandonada. Em qualquer lugar, enfim, um pouco abrigado do frio daquelas bandas: lá você pisa numa poça d’água e ela quebra. Foto recentemente divulgada nos jornais, mostrou-os com os focinhos cheios de flocos de neve.
Paramos numa praça (e são muito bonitas as praças em toda a Romênia, espaçosas, bem desenhadas) para ajeitar uma sacola. Logo se formou ao nosso redor um público canino, esperando que tirássemos de entre nossas coisas, algo de seu interesse. Depois descobrimos a razão: velhinhas que, indo ou vindo de algum lugar, trazem nas sacolas alimento para eles. Isso nos mostrou porque, nos espetaculares parques da cidade, só há cães passeando com seus donos: as matilhas independentes, essas moram nas praças centrais. Explicou também porque são animais bonitos, com jeito de bem tratados: podem não ter donos, como seria o ideal, mas não são abandonados. A população, principalmente os idosos, cuida deles.
Bucareste, em 2008, era a imagem do caos urbano. Toda a região central estava em obras. Passar por algumas ruas estreitas, em passarelas de madeira molhada e à borda de buracos com metros de profundidade, era comum. Apenas quatro anos depois, era uma capital à europeia: calçadas e ruas perfeitas, trânsito disciplinado, área histórica limpa e bem cuidada.
E os cães, ainda estão lá, embora em menor número: bonitos, sociáveis, atravessando as ruas em companhia humana. E vêm correndo quando uma velhinha chega com uma sacola…
Bucareste, capital da Romênia se reinventou a partir de 2008, com ruas e trânsito perfeitos, mas seus civilizados “guapecas” seguem humildes e sociáveis compartilhando o espaço com os humanos. Foto: Marialba RG Imaguire.
Bucareste, capital da Romênia se reinventou a partir de 2008, com ruas e trânsito perfeitos, mas seus civilizados “guapecas” seguem humildes e sociáveis compartilhando o espaço com os humanos. Foto: Marialba RG Imaguire.