Sabe aquela praça do seu bairro? Ela precisa que você a ocupe, para o bem da cidade

Key Imaguire Junior
07/09/2017 14:00
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Praça Garibaldi, no entardecer. Foto: Marialba Gaspar Imaguire/Acervo

A mesma praça, as mesmas flores

A musiquinha era enjoada, como toda música de sucesso, que a gente é obrigado a escutar no elevador, no rádio do táxi, no boteco, cantada e assobiada em todos os lugares.
Mais do que uma pausa nos percursos determinados pela continuidade das ruas, mais do que uma amenização do uso intensivo e abusivo do chão urbano, mais do que uma indução ao lazer, a praça organiza o universo do ser humano, estrutura sua civilização urbana.
Lembremos um pouco a aldeia indígena: ela se organiza a partir do pátio central, circular: espaço de vivência, decisões e festas, vida pública e jurídica. Ele é contornado pelas ocas, que abrigam a vida doméstica, das famílias e das pessoas. Para além desse círculo – protegido por uma paliçada – as roças, de domínio compartilhado com a floresta. Depois de tudo, o desconhecido, o cósmico, o sobrenatural.
Evidente que, nas nossas tumultuadas metrópoles, onde prevalecem os interesses imobiliários, essa organização se diluiu bastante. Não é fácil de identificar, mas permanece.
Pensemos numa pequena cidade de interior, das antigas, onde a articulação da vida é muito semelhante. Havia nelas a Casa da Câmara, sede urbana do poder e das decisões de interesse comum.
E, principalmente, a Igreja Matriz, que irradiava, ensejava, organizava e coordenava a vida social estruturada com simplicidade. Não menos importante, aconteciam diante dela as feiras, que faziam o abastecimento das residências.
As transformações foram lentas, e ainda estão em curso, mas a estrutura civilizacional não desapareceu. Apenas, tornou-se mais mecânica e inconsciente.
A praça sobrevive, nas pequenas e nas grandes cidades, como ponto de encontro, atraindo lanchonetes, bares e botecos da moda. O carro faz com que, em circunstâncias urbanas bem definidas, as ruas sejam priorizadas, nelas acontece o “vai e volta” dos agro-boys e boys-de-bairro, com som muito alto e arrogância mais alta ainda.
Em cidades européias, nas praças, ainda há bancos em que os idosos se reúnem para conversar e tomar sol no fim da tarde, sem precisar se render aos apelos consumistas.
Contemporaneamente, a sociedade massificada pede por parques mais do que por praças, e as grandes manifestações, mais pelas avenidas do que pelas ruas. Mas a atividade irradia ou converge, sempre, para a praça.
Para além do espaço central e de seus bairros mais próximos, cada vez mais sacrificados aos interesses capitalistas, a concentração tende a diluir em condomínios (com suas pracinhas internas), e pequenas chácaras, onde uma escassa vegetação ornamental ainda tem vez. Para além disso, as fazendas, cada vez mais mecanizadas e menos habitadas.
E por fim, o espaço e a atmosfera – cada vez mais invadidos e poluídos: nossa estrutura ainda é a mesma, e é bom que continue. É notório que, remover uma população de uma aldeia indígena, destrói suas referências, com resultados desastrosos.
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