Somos nós escravos dos carros?

Key Imaguire Junior
16/02/2017 09:54
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Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo | Gazeta do Povo

Já foi uma dialética simples: onde posso e onde quero morar. Nossos tempos complicados reduzem cada vez mais a importância do segundo termo em favor de um terceiro: onde devo morar? Tento pensar que, sobre as conveniências/necessidades individuais, nas quais entra a capacidade financeira, não se prescinde das considerações de entorno. Principalmente, do relacionamento com a rede viária. A dependência desse sistema de circulação, nele incluído o transporte coletivo, pesa cada vez mais. Isso é uma verdade nas cidades cada vez maiores, mais complexas e mais submersas pelos carros e outros fatores globalizantes.
E aqui percebemos um mecanismo perverso: quanto mais se usa o carro, mais surgem fatores que o tornam indispensável e, pior, irreversível. O shopping center e o supermercado, sobre exterminarem o pequeno comércio dos bairros, são inacessíveis sem carro. Acho que os próprios serviços de entrega dos supermercados deixaram de existir. Por mais que cada rede dessas mega-estruturas tenha uma loja em cada canto da cidade, ninguém vai ao supermercado ou ao shopping de ônibus ou a pé – ainda que more a três quadras de distância.
Pouca gente pensa na distância entre sua residência e o trabalho. Mesmo porque há intensa mobilidade entre empregos e só com muita sorte se conseguirá trabalhar sempre nas imediações de casa. No entanto, as reduções de deslocamento dentro da malha viária, seja de carro, ônibus, bicicleta, patins ou skate, são da conveniência das pessoas tanto quanto da cidade – de onde termos começado dizendo que morar, atualmente, incorpora o verbo “dever” às considerações de “poder” e “querer”.
Vista do São Francisco, em Curitiba. Foto: Marialba Gaspar Imaguire/Acervo
Vista do São Francisco, em Curitiba. Foto: Marialba Gaspar Imaguire/Acervo
Procurar pela proximidade de parques – melhores ares, lazer, caminhadas –, dentro dessa lógica, não é uma boa ideia: as áreas que os envolvem deveriam ser reservadas à expansão verde, e não para a muralha de construções como vem acontecendo.
Ao longo da história da arquitetura, não têm faltado propostas insanas que lembram mais presídios que habitações para cidadãos de pleno direito. Os falanstérios de Fourier, a Ville Radieuse de Le Corbusier, os megaconjuntos soviéticos e atuais giga-edifícios chineses, todos estranhamente – ou não?! – extremamente dentro da lógica de adensamento e verticalização do urbanismo neoliberal.
Deixei intencionalmente para o fim as considerações sobre o quanto devemos nos preocupar com as questões ambientais. Aqui entramos numa área particularmente preocupante que não respeita apenas às áreas urbanas, mas a extensas regiões e (precisa dizer?) ao planeta como um todo.
Vivemos numa era em que a informação é muito fácil de encontrar. Por isso mesmo, as decisões se tornam mais complexas – e também, a nossa obrigação de procurar pelas fontes adequadas e, principalmente, pensar bem nas questões que impactam a cidade e a região.

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