Opinião: identidade das cidades perde com o fim dos pequenos e tradicionais comércios
O fechamento dos pequenos e tradicionais comércios locais como consequência da globalização e da homogeneização das “predileções”. Foto: Marialba RG Imaguire / Arquivo Pessoal
O fechamento de mais um pequeno comércio de bairro sempre causa forte sensação de perda da identidade. Que muita gente acha injustificada: perda como, se inevitavelmente o ponto será ocupado por outro, e nunca acontecerá um vazio, um vácuo?
Nem que mude o tipo de mercadoria, permanecerá o ponto, e que talvez venha a atender até melhor os moradores das imediações. Puro otimismo e, o mais das vezes, injustificado.
Mesmo porque o que vai esvaziar não é o local em si: é a região, o bairro, a vizinhança, em seu conteúdo específico. Os novos comércios, com fatal certeza, não serão atendidos pelas mesmas pessoas: aquelas que conhecem a freguesia e sabem os nomes, trocam notícias não publicadas, recomendam e oferecem produtos pelos quais garantem, afinal não se ilude um freguês “de caderno”. Os fornecedores também serão outros – e nem pensar que manterão os itens preferenciais anteriores. Haverá, talvez, similares – mas jamais os mesmos. Nem que eu atravesse a cidade, nunca acharei melhor pão caseiro – nem as melhores empadas do mundo – que eram vendidas pela dona Alice. Quem fará minha torta predileta, de damascos, quando a confeitaria do Arnold fechar?!
Não, não, não, não é frescura nem imobilismo: é, antes, imobiliarismo. Nem que os novos estabelecimentos ofereçam sucedâneos será, certamente, outra coisa, em outro cenário e em outro clima. E, o que será pior, igual aos milhares de outros pela(s) cidade(s). Em vez do que foi configurado para o meu gosto – ou, evidente, aquilo para o qual configurei o meu gosto – haverá o lugar comum, o que foi feito e imposto para ser genericamente aceito, consumido pelo sempre duvidoso gosto das multidões. Lugares novos que, depois de uma ostensiva e modernizante reforma das instalações, fecharão após uns poucos meses de atividade. É mais uma homogeneização das “predileções” que decorre de uma maldição de nossos tempos, a globalização.
Como bom glutão, preocupam-me de forma visceral – ao pé da letra – essas questões de gostos, de sabores, de odores: o que em nenhum momento se confunde com a gastronomia, que tem conotações nutricionais e artísticas.
O que ainda consola, é que há resistência: pequenos comércios que conseguem manter suas peculiaridades e padrão de excelência ao longo de anos e de décadas. E, esperemos, de séculos… São lugares, como regra, conhecidos de pouca gente – donde sua eventual desaparição. Mas há pessoas que mudaram para outros bairros e, enfrentam trânsito pela fé em seus produtos. Esses são clientes que não aceitam gato por lebre nem hambúrguer por bolinho de carne.