Como circulador pedestre urbano – seria mais chique dizer “flâneur” – muitas vezes me intrigam áreas desconhecidas, difíceis de entender: vazias, baldias, abandonadas. O que existe ali? Não me refiro apenas a terrenos sem construção – esses, para além do muro, é fácil supor uma casa em ruínas, um reinado de ervas espontâneas, arbustos e mesmo árvores, insetos, passarinhos. São pequenos respiros do solo entre tanta área impermeável – com os quais simpatizo bastante. Resistem ao adensamento e verticalização bravamente, à espera de melhores dias para as cidades…
Intrigam-me em especial – e é só um exemplo – aquelas áreas de fundos de terrenos: a frente, é ocupada por construção, mas quanto aos fundos, o quê acontece lá? Se pensarmos em todos os fundos de uma quadra, teremos uma área bastante representativa.
Quando o terreno tem a infelicidade de ser transformado em estacionamento, tem uso integral – apesar da ilegalidade da impermeabilização total. As áreas vazias, nas fotos aéreas, fáceis de achar na internet – são espaços sem compreensão imediata.
Observem, do alto de um novo edifício, esses – ainda é, acho, a denominação oficial – miolos de quadra. É penalizador imaginar que desaparecerão essas áreas de quintais com árvores, discretos jardins floridos, hortas, uns poucos animais que têm aí sua última oportunidade de sobrevivência.
É de desejar que esses “vazios” urbanos sejam perdoados – isto é, tratados, cuidados, acarinhados, mas não construídos, impermeabilizados, integrados ao já excessivo volume construído.
Há muitas maneiras de fazer isso – seria o caso de viabilizar um uso para essas pequenas áreas, que são protegidas do tráfego pelas edificações. Já há idéias e exemplos de ações interessantes nas maiores cidades.
Tal como a preservação cultural, a ambiental confronta muitos interesses e qualquer ação é muito complexa, seja do ponto de vista jurídico seja administrativo da cidade.
Mas, fazendo e errando, fazendo e acertando, com persistência e discernimento, não seria um dos caminhos para amenizar a rigidez, a hostilidade, a aridez das nossas cidades? Alinhar ações com os “pocket gardens”, as hortas comunitárias, os jardins verticais e outras frações de boa vontade para com o meio ambiente… a médio prazo, não tornariam nossa vida urbana menos neurótica e menos competitiva?