Do lambe-lambe à selfie, a relação entre fotografia e cidade
O jeito de fazer selfie nos anos sessenta. Foto: Key Imaguire Jr.
A fotografia nunca esteve tão presente nas cidades como hoje. Escutei de um fotógrafo profissional: “todo mundo agora é fotógrafo”. Como quem começou a registrar imagens ainda criança, com uma câmera francesa com fole, discordo.
O que há é uma atitude inédita com relação às imagens – de tudo o que é considerado fotografia, pouca coisa tem realmente qualidade merecedora de, digamos, sair da nuvem. Em viagens, percebe-se como a maioria das pessoas não vê mais coisa alguma: registram as imagens para as redes sociais sem se darem ao trabalho de olhar o que foi fotografado.
Houve, é certo, uma ampliação da temática: o que foi eventual, é tema recorrente. Retrato sempre foi um tema prioritário – mas autorretrato, não. Alguém duvida que a selfie seja o mais comum dos temas atuais?!
O retrato antigo era feito em estúdio, com luz de spots cuidadosamente programada – exigindo profissionalismo. O essencial dos atuais retratistas é a captação do momento, o cenário é apenas fundo, por mais espetacular que seja. Serve apenas ao narcisismo pessoal: “ói eu aqui”. Função, já se vê, das redes sociais e sua transitoriedade: hoje está lá, amanhã não está. Mas isso não é considerado importante…
Enfim, são os tempos. Mesmo porque os demais temas tradicionais não estão abandonados por completo, apenas reduzidos à condição de cenário para o retrato.
Criada e desenvolvida por Nièpce, Daguerre e outros com contribuições pontuais, era inevitável que ao chegar em Nadar, apaixonado também pelo voo, ele pensasse em acoplar a câmera ao fundo dos balões – e tomar vistas aéreas de Paris, que documentou de ponta a ponta. Isso vai para mais de século e meio – e as cidades, vistas de cima, nunca perderam seu encanto para os pedestres. Tanto que fazemos investimentos consideráveis em drones – as paisagens vistas do alto têm a magia de nos proporcionar panoramas antes restritos às aves.
Mas o que faz a captação de imagens chegar a um “paroxismo urbano” é a tecnologia digital. O custo da câmera sempre existiu mas, no digital, a despesa praticamente se reduz a ela. Nas antigas e saudosas câmeras que registravam imagens com sais de prata, havia um processamento até chegar à imagem impressa: uma longa e custosa trajetória, sofrendo intervenção do fotógrafo em cada etapa. A qualidade artística agora é elaborada no ato, nos monitores e telinhas do celular.
Não é preciso ter conhecido os lambe-lambe, fotógrafos que montavam um pequeno e precário estúdio nos parques das cidades, para pensar na dependência da tecnologia digital dos nossos tempos. Eles se armavam de uma tela em tripé para fazer um fundo neutro, tinham uma caixa na qual faziam o processamento químico. Alguns tinham um cavalinho de madeira para fotografar crianças, gasto pela permanência no clima. Se ainda existe algum desses cavalinhos por aí, certamente virou curiosidade a ser registrada – com o registrador ao lado, usando um longo pau-de-selfie…