De Caruaru a Veneza, as feiras de rua revelam a essência das cidades
Feira de rua em Veneza. A semelhança com as brasileiras é apenas aparente, e demonstra o quanto essa instituição é universal. Foto: Marialba RG Imaguire.
Fazendo feira
É uma expressão que, parece-me, vigora do Paranapanema para cima: embora eu não possa garantir que o nosso “ir à feira” seja mais semanticamente correto. Mas é um “paulistismo” corriqueiro: “vou fazer só um pouquinho de feira e já volto”.
Tanto para quem “faz a feira” quanto para quem a ela vai, é onde, nas nossas cidades, permanece a sensação do abastecimento doméstico feito pelo contato direto entre quem produz algum alimento e quem o consome. Duvido que essa relação permaneça tão direta, seria uma afronta insuportável à lógica capitalista. Mas a sensação persiste, mesmo com a presença cada vez mais freqüente de manufaturados e industrializados.
Claro, a feira deixou de ser aquela coisa simples das caixas colocadas no chão da Praça da Matriz à vista das pessoas que transitam para a missa ou para a fonte de água, o que é uma pena. Vejo em fotos de viajantes que, em cidades da América Hispânica essa tradição ainda é bem viva, apesar de estar adquirindo uma “empostação turística” que a desvirtua. Lá como cá, quanto menor a localidade, mais identificável é a tradição: o fator de dissolução cultural é, como sempre, a superpopulação.
MAIS SOBRE VIVER A CIDADE
A saudável prática das feiras – importantes a ponto de identificar os dias da semana no nosso idioma, e em nenhum outro… – foi fracionada. Principalmente na temática – feiras disso e daquilo, de artesanato, de gastronomia, de antiguidades – mas também quanto ao zoneamento interno. O substantivo ainda não perdeu – na maioria dos casos – a conotação de informalidade, de espaço aberto e de livre trânsito. Mas está comprometido e sendo apropriado por feiras industriais, que são eventos de outra natureza.
Por mim, a feira emblemática ainda é a de Caruarú – ou foi, há muito, quando a conheci. De lá pra cá, muita água passou pelo Capibaribe… Não sei como está agora, espero que não tenha mudado muito. As fotos da internet são desanimadoras, parece mais a região ao redor do Mercado Municipal de São Paulo.
Quando a conheci, o fascínio maior foi a secção de produtos reciclados em funilaria, a partir de latas de azeite e outros metais: prato cheio para qualquer antropólogo. Também as extensas áreas de artesanato em couro. Ambas, mostrando soluções originais de desenho e execução. Em compensação, a área de carnes deve ter levado muita gente a optar pelo vegetarianismo…
De qualquer forma, uma viagem não é completa sem uma passada pelas feiras de abastecimento: é lá que se aprende a vida da cidade, seja nos produtos, seja nos procedimentos, seja no comportamento.