Opinião: Nesse percurso de milênios, ainda não conseguimos superar nossa condição de trogloditas
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Este planeta foi feliz algum dia?
Não gosto de começar texto com aquelas evocações melancólicas tipo “no meu tempo”, “antigamente”, “no tempo de dantes”… Mas a velocidade vertiginosa de deterioração do planeta torna essas reflexões inevitáveis. Elas significam apenas: “estamos melhorando?”, com uma entonação que insinua resposta negativa.
Ao longo da vida, e das muitas leituras, algumas me levaram a refletir a sério sobre se, algum dia, foi possível ser feliz sobre o planeta. Inicialmente, vamos excluir as formulações ideais de escritores: nada de Platão, Campanella, Thomas More, Fourier, Calvino, Hilton. Assim: se o Professor Pardal me empresta uma de suas máquinas do tempo, para onde a programo a me levar?!
Minha primeira inclinação, como leitor de Lobato, seria a antiga Atenas, governada pela sabedoria do estratego Péricles. Parece que ele fez florescer uma democracia de verdade, embora não haja jeito de fazê-la funcionar em outras épocas e lugares… E lá estava Esparta, de olho, não se tinha como evitar as guerras. Na Ágora, discutia-se inteligentemente, os artistas produziam exuberantemente, mas havia escravos; e o próprio Péricles não conseguiu evitar que seu filho Alcebíades fosse um dos grandes biltres da História… Não, não sei se era possível ser feliz na Atenas do século V AC…
Pensei em Roma: sem ela, seu império, suas cidades-estado poderosas que unidas deram a Itália, que continuou a ser o maior pólo cultural e artístico do planeta – o mundo seria pouco mais que um Saara do pensamento. Mas, se nem tourada eu acho decente, imagine o Circo Romano… e todos aqueles imperadores enlouquecidos pelo poder, sem outro controle além de serem assassinados e substituídos por outro igual ou pior… Mas quem sabe em Pompéia? Mesmo para o período imperial, não era tão longe assim, tinha a vista da Baía de Nápoles nas imediações, era cidade de lazer… talvez um emprego para pintar afrescos nas vilas patrícias?! Bom, o Vesúvio é lindo na paisagem, mas, sabe-se lá quando vai acordar de mau humor…
Talvez na Idade Média, enquanto o Império Romano despenca, em algum lugar da Europa Central, houvesse alguma abadia onde se pudesse passar tranquilamente dias e noites iluminando manuscritos e contando a sabedoria do mundo, tomando vinho e comendo azeitonas? Isolados das áreas urbanas mais densas, à margem das rotas comerciais mais perigosas, quem sabe nesses mosteiros se pudesse ser feliz? Que nada, há sempre ameaça de bárbaros se despencando das estepes do Extremo Oriente, e mesmo senhores feudais não eram nem um pouco cordiais quando apertados pelas pestes e desacertos uns com os outros… Pelo mesmo motivo, não dá para pensar em ser feliz como um monge Zen, penteando pedrinhas num jardim nas imediações de Nara…
Mas o que tem isso, afinal, a ver com a nossa vida urbana? É só ler um jornal ou escutar um noticiário: nesse percurso de dezenas de milênios, ainda não conseguimos superar nossa condição de trogloditas. Produzimos coisas maravilhosas em nossa civilização: mas a tal “busca da felicidade” continua algo inatingível, delírios de poetas e alienados…