Caminhamos para morar em casas ainda menores? Arquiteto discute o futuro das habitações

Key Imaguire Junior
24/08/2016 22:52
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Cada vez menos serão vistas construções com história. O futuro aponta para espaços claustrofóbicos e materiais descartáveis. Foto: Acervo

As pedras gritam e as madeiras respondem

Da parede a pedra gritará, e do madeiramento as vigas responderão. (Habacuc, 2.11)
Essas são as palavras do profeta Habacuc ditas há mais de dois milênios e meio de história da civilização. Como todos os profetas, ele dramatiza suas predições – recurso teatral para impressionar o público. Elas anunciam acontecimentos tão assustadores, que paredes e estruturas entrarão em pânico e manifestarão seu horror.
É uma ideia ainda válida, sobre a construção, como refúgio último da solidez e das certezas humanas. Podemos abandoná-las, basta um exercício mínimo de imaginação: que construções das nossas cidades sobreviverão por 2,5 mil anos? Lembremos que, volta e meia, cai um prédio antes de ficar pronto.
Há ruínas veneráveis, tristemente esplêndidas. Estão por todo o planeta e viajamos milhares de quilômetros para vê-las, não é necessário mencioná-las. Para além da beleza visual, suas pedras gritam e madeiramentos respondem: o engenho humano construiu obras fantásticas – em alguns casos, beirando pelo inacreditável, que sobrevivem até mesmo ao seu conteúdo. Pouco sabemos do que se fazia nelas e, menos ainda, sobre o como se fazia. É a grande razão pela qual nos fascinam e são crivadas de lendas, histórias e fantasmas: estão além da nossa compreensão.
Mas não são necessários os dois milênios e meio que nos separam de Habacuc. Entrem numa casa de meros 50 anos atrás. Sem o auxílio de indicadores como mobiliário, equipamentos e instalações, as certezas se diluem em suposições sobre o uso dos espaços. Se visitarmos uma construção não residencial, a leitura fica mais difícil ainda – quanto mais distantes no tempo, mais difíceis de entender. E quando os entendemos, após muito exercício de reflexão e erudição, parecem inacreditáveis. Daí sua importância: são referenciais insubstituíveis.
Deixemos o passado e pensemos no futuro: exige coragem e imaginação, mas é necessário. Nossas habitações atuais, já reduzidas ao mínimo dos mínimos, como serão? Iremos desapegar desses pequenos espaços – mas apinhados de bens de consumo, deslocáveis – por habitáculos ainda menores? No futuro, nossas moradas serão como os apartamentos de hotéis, nos quais permanecemos por uns poucos dias? Tipo celas de convento ou de prisão? Ou – hipótese nada ousada – iremos morar em carros? Ou chegaremos àqueles claustrofóbicos hotéis japoneses, constando de uma cama e uma televisão?
Nosso futuro remoto não lembrará nada disso: não serão feitos com pedras que gritam nem madeiramentos que respondem, mas com plásticos, gessos, madeiras artificiais que se dissolvem por si mesmos nos resíduos de onde vieram.
O que restará de nossa complicada e sofisticada civilização de futilidades descartáveis?

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