As “vitrinas” vazias e o sinal dos tempos nas grandes cidades

Key Imaguire Junior
23/04/2017 17:00
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Às margens dos canais de Veneza, as vitrinas ainda têm a tarefa de exibir o conteúdo das lojas. Foto: Marialba RG Imaguire

A referência mais antiga que tenho das vitrinas vem da Literatura, não da História: um grupo de aventureiros, preparando um golpe contra o Doge de Veneza, pára diante do mostruário de um cuteleiro, com facas e espadas.
Vem ao encontro à minha ideia do percurso da palavra: do latim vetrum, pelo italiano vetrina e chegando a nós pelo francês vitrine. A conspiração – habilmente ambientada por Pérez-Reverte — falha, e a República de Veneza segue Sereníssima seu percurso— assim como as vitrinas.
Não sei se as havia antes disso — muito provavelmente, a ideia de expor para a rua objetos comerciados no interior da loja tem sua origem junto com a atividade mercante. E chegam ao final do século 19 incorporadas ao projeto das edificações comerciais, ladeando o acesso às lojas quando não simplesmente uma parede transparente, através da qual a mercadoria é visível em suas instalações.
Embora permaneçam — não faz muito tempo, havia o programa familiar de “passear para ver vitrinas” — há algumas mudanças típicas dos nossos tempos. Nos passeios familiares noturnos, havia a ideia de que o conteúdo da mostra, embora com apelo comercial, tinha atrativos para serem vistos e apreciados independentes das ações de compra/venda.
Em épocas natalinas, havia mais um motivo para ver vitrinas: além do apelo comercial, tínhamos o humorístico dos anacronismos espaço-temporais. Presépios com o Papai Noel batendo no vidro com uma bengala, num cenário no qual, além da tradicional cena da manjedoura, circulavam trenzinhos elétricos de modelos moderníssimos. Para completar, um fundo com araucárias e imbuias…
As vitrinas, como tudo, tem seu local e momento: um amigo francês se escandalizava com mostruários — aos quais nós não dávamos importância alguma — cheias de manequins com sutiãs e calcinhas: “- Qu’est ce que ça, une porno-shop?!”
A vitrina elaborada, projetada nos seus mínimos detalhes, tem uma tendência a se limitar aos shoppings, pelo receio do vandalismo. As lojas populares deixaram de apresentá-las: são apenas enormes galpões, lojas, depósitos e mostruários, tudo em uma coisa só.
Mais criativas e típicas de nossos tempos são as que transformam em atração visual não apenas coisas, mas também a atividade: cozinhas de restaurantes visíveis pelo público ou academias de ginástica em caixas de vidro, onde a modernidade do equipamento e dos usuários, bem iluminados, dá o recado comercial.
A tecnologia contemporânea tem recursos que permitem supor nas vitrinas, uma atração que valha a pena sair de casa para admirar.

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