Um encontro com Marcello
Ana Maria Tato e Mastroiani viveram no apartamento em Paris por mais de 20 anos. Fotos: Divulgação
Vou contar a história do meu encontro com o apartamento do ator italiano Marcello Mastroianni, em Paris. Uma dessas coisas que acontecem uma única vez na vida. Uma visita a um apartamento, como tantas que faço com (ou para) meus clientes, veio anunciada pela agente imobiliária como “irresistível”.
Caminho pela rue de Seine, 6ème arrondissement de Paris. É uma daquelas ruas que faz parte de todo o charme de Saint Germain de Près. Endereço chique, ao lado de paraísos para o corpo e a alma. Abre-se a porta da rua. Um longo corredor, segunda porta, e elevador para o sexto andar, onde está o céu de Paris. A excitação do momento confunde a razão e não se sabe para onde olhar. O espaço do apartamento foi sendo montado pouco a pouco, de chambre de bonne em chambre de bonne, e assim, seu ex-proprietário foi delineando seu pequeno-grande paraíso.
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Descanso a vista ao olhar o apartamento. A estética é refinada, do gosto de um conhecedor do design moderno e contemporâneo, um insider. Este foi o ninho parisiense de Ana Maria Tato e Marcello Mastroianni. Foram 22 anos de vida juntos e companheirismo.
A estrutura do telhado mansardado é aparente internamente, e discretamente pintada na cor do conjunto do espaço, o que resulta numa sensação de ser maior do que é. O pé direito é alto e inundado por iluminação zenital. Vigas e pilares contemporâneos, em aço, existem para estruturar o sonho de outra época. A decoração conta com sofás Le Corbusier revestidos com um algodão encerado. Na época, feito sob pedido especial na Cassina. Mesa com cerâmica pintada por Umberto Mastroianni [o tio que era escultor]. E sobre ela, uma lâmpada One from the Heart, de Ingo Maurer. A estante foi desenhada sob medida. Ali estão pousadas luminárias delicadas como conchas do mar, o bar: grapas e tacinhas de Murano, livros, desenhos, cartas de Fellini, Pasolini… e tantos outros amigos deles que de algum modo (ao vivo ou com memórias e presentes) compartilharam momentos aqui. Pôsters dos filmes, dele e dela. Vasos Venini.
O jantar é composto de cadeiras originais Alvar Aalto, em carvalho claro. E a mesa, em madeira nobre mais escura, é uma “colagem” de um antigo tampo com pés contemporâneos. Um armário arredondado em carvalho foi desenhado e pintado por um artista especialmente para este lugar. Na suíte do casal, o armário é uma obra de arte em harmonia com o anterior, é também decorado com esta pintura refinada sobre a madeira nobre. Cada peça é um achado, uma história, uma ida ao Marché Aux Puces ou a um antiquário das ruas de Saint Germain ou um pedido especialíssimo concedido a este cidadão tão querido de gerações e nações.
Foram meses de convivência intensa com Ana Maria Tato, dama italiana e produtora de filmes. Bela e sorridente aos seus 72 anos muito bem vividos. Tardes e tardes de conversas em francês, inglês e italiano (tudo ao mesmo tempo), repletas de descrições detalhadíssimas sobre momentos cotidianos, íntimos e secretos do cinema italiano.
Conversas sobre a vida dela, as saudades do Marcello, e a insegurança de ficar sem este lugar tão sagrado, onde passaram tantos e especialmente, os últimos momentos juntos. Ela precisava fazer seu luto, abandonar sua casa e, ao mesmo tempo, conhecer quem viria morar ali. Conversas que começaram como monólogos, e se transformaram em descobertas. E assim, ela observou, testou, analisou e, enfim, aprovou.
No próximo mês conto sobre o trabalho no apartamento, respeitando suas características tão fortes, e ao mesmo tempo, se transformando de acordo com as necessidades dos novos moradores.