As notícias, como as águas, correm ou chovem…

Key Imaguire Junior
24/09/2015 01:00
Thumbnail

Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Um personagem machadiano, querendo reter o amigo para o almoço, prontifica-se a mandar avisar sua ausência em casa “por um moleque de recados”.
Seria muito interessante acompanhar, na literatura, como acontece a transmissão de recados e mensagens– do moleque dos tempos coloniais ao whats app contemporâneo.
A função de mensageiro, dentro do escravismo, devia pertencer aos meninos ainda sem função na produção e tarefas familiares. Imagino que “levar um recado” fosse das tarefas mais bem aceitas, longe do olho implacável dos senhores e com oportunidade para azarar pelas ruas.
Não é muito diferente, embora seja mais tecnológico, o ambiente das aventuras de Sherlock Holmes, obra pouca coisa posterior à de Machado. Embora o detetive envie e receba telegramas (o mensageiro aguarda pela resposta), as mensagens não prescindem do entregador. Mr.Holmes telegrafa e recebe respostas rápidas dentro de Londres – que, embora megalópole de seu tempo, nem seria tão grande assim…
Também não está dito se as mensagens percorriam cabos, mas é de supor que sim. O lançamento de fios telegráficos deu margem a muitas narrativas na literatura norte-americana, ligando “costa a costa” antes da ferrovia. E, como ainda estamos aprendendo a dar uso literário à nossa história, não consta que tenha sido romanceado o lançamento do cabo submarino entre a Europa e o Brasil – obra do irrequieto Mauá, obrigado em seguida a doar o empreendimento.
Mas há suficientes biografias de Marconi – inclusive romanceadas – contanto como ele tornou possível transmitir recados pelo ar, wireless, né? Sem fio, um assombro, por ondas que se propagavam, invisíveis, a distâncias planetárias, levando mais que simples recados. Viajavam também músicas, notícias – que não deixam de ser recados – e o mais que sabemos da Era do Rádio.
Na brilhante geração de cronistas cariocas que marca nossa literatura nos anos 1950 e 1960, o telefone convencional é personagem importante, motiva ações e dá temas para reflexão. Música, então…
E, bem, chegamos ao celular. Por enquanto, só compareceu nos gibis. Acho que dificilmente o veremos, por exemplo, em Dalton Trevisan: suas narrativas dependem da comunicação direta, de boca a ouvido, de corpo a corpo e de cara a cara.
Em Zero, o mais recente romance de Umberto Eco, o celular ainda não comparece – mesmo porque o cenário são os anos 1990, quando o nefando aparelhinho ainda não estava tão presente.
Mas, ai do triste ser humano! Já se vê pessoas conversando via celular a poucos metros de distância, independentemente do uso que lhe seja dado pelos escritores.
Quer dizer, o recado sai de um aparelho, vai até uma torre de repetição, satélite ou seja que engenhoca de alta tecnologia for , de onde cai feito chuva sobre o receptor quase junto da origem.
Acho que era mais simpático e mais humano, o “moleque de recados”…

Enquete

Você sabe quais são as vantagens de contratar um projeto de arquitetura para sua obra de reforma ou construção?

Newsletter

Receba as melhores notícias sobre arquitetura e design também no seu e-mail. Cadastre-se!