Arquitetura
Vila Odette, um palácio bem curitibano escondido atrás do portão
Foto: Washington Takeuchi/Arquivo pessoal | Washington Takeuchi
A erva-mate fez a fortuna da alta burguesia curitibana no início do século 20 e os “barões da erva-mate”, como ficaram conhecidos os patriarcas das famílias que enriqueceram no auge da economia da matéria-prima, precisavam de residências à altura de suas riquezas. Para ter um casarão na capital paranaense que não deixasse nada a desejar ao conforto e luxo das construções da elite europeia, uma escolha era certa: o desenho e execução deveriam ser do engenheiro e arquiteto Eduardo Fernando Chaves. São autoria dele algumas das edificações mais luxuosas daquele período, que arrancam suspiros dos curitibanos até hoje, como o Castelo do Batel,na Avenida do Batel; o Palacete Lustoza, na Rua XV de Novembro; a Vila Ida, na Alameda Doutor Muricy; e o Palácio São Francisco, atual sede do Museu Paranaense.
Uma das principais jóias arquitetônicas de Chaves, entretanto, está escondida dos olhos do público, protegida por um portão que revela aos passantes apenas uma espessa mata: é a Vila Odette, edifício vizinho ao Palacete dos Leões.
A residência na Avenida João Gualberto —então chamada de Boulevard 2 de Julho —começou a ser construída em 1923 para abrigar os recém-casados Agostinho Ermelino de Leão e sua esposa Odette, que deu nome ao local. Até hoje,herdeiros da família responsável pela criação da empresa Matte Leão vivem no casarão de 755 m²,que é cercado por imensos jardins, concebidos em estilo francês e inglês.
Inspirada na arquitetura rural da Normandia, cada detalhe da ornamentação elaborada da Vila Odette buscava expressar sofisticação e monumentalidade. Ali foram construídos salões em estilo inglês e art nouveau, uma biblioteca em estilo manuelito e ambientes decorados com várias espécies de madeiras entalhadas manualmente, paredes revestidas com tecidos e coloridos vitrais.
Luxo e conforto
O imóvel de dois pavimentos, além do sótão e do porão, foi idealizado para oferecer regalias que eram inimagináveis à maior parte da população brasileira do início do século passado. Isso podia ser visto nas seis lareiras que garantiam o conforto da casa nos dias de inverno na capital e nos diversos banheiros com direito a água quente, louças e itens importados. O terreno original, que posteriormente foi cortado por avenidas, tinha com quadra de tênis, vinhedo e uma casa para empregados — ajudavam na manutenção da Vila Odette uma equipe com lavadeira, passadeira, duas babás, arrumadeira, cozinheira, jardineiro e chauffeur.
Os automóveis, que na época eram destinados apenas à elite, repousavam ali em número farto: ocupavam não só as duas vagas da garagem em alvenaria como partes do jardim. Cada filho de Agostinho–quatro homens e uma mulher –tinha seu veículo próprio. “Inicialmente, o terreno possuía mais 100 metros de profundidade, além do limite atual —ia até o Hospital das Clínicas —e andávamos a cavalo”, recorda a filha de Agostinho, também chamada Odette, em entrevista relatada no livro “As Virtudes do Bem Morar”. A publicação, que explora a vasta e diversificada produção do engenheiro Eduardo Fernando Chaves, é fruto do trabalho da arquiteta Elizabeth Amorim de Castro e da antropóloga Zulmara Clara Sauner Posse, ambas professoras da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Para Elizabeth, a edificação que é tombada como uma Unidade de Interesse de Preservação (UIP) chama a atenção por permanecer com sua função original, de residência, fato que não se repetiu com as demais obras de alto-padrão assinadas por Chaves. “O mérito da Vila Odette é permanecer com o uso residencial original. Esse tipo de construção é muito cara para se manter”, afirma a pesquisadora.
As autoras do livro levantaram 220 produções de Eduardo Fernando Chaves realizadas em três décadas: foram palacetes, vilas, bungalôs, cottages e casas,edifícios comerciais e residenciais,depósitos,instituições educacionais e religiosas,além de reformas, ampliações e muros que Chaves projetou, calculou, fiscalizou ou administrou. “A trajetória do arquiteto desenvolve-se juntamente com a história da urbanização de Curitiba e com sua consolidação como cidade moderna”, apontam na publicação. Enquanto boa parte das edificações assinadas por ele não existem mais —de 100 projetos do arquiteto construídos entre 1912 e 1930, pelo menos 75 foram demolidos —, a Vila Odette resiste, quase um século depois, com a mesma elegância de outrora.