Arquitetura
Primeiro condomínio de casas em Curitiba tem inspiração em Portugal; conheça o projeto
Fotos: André Rodrigues/Gazeta do Povo | Gazeta do Povo
Uma vila em Curitiba inspirada em Portugal
Quando o arquiteto e engenheiro paranaense Lolô Cornelsen recebeu o pedido da empresa portuguesa Comasa para um empreendimento residencial em Curitiba, a nação lusa ainda passava por momentos de incerteza. Pouco tempo antes, em abril de 1974, os portugueses haviam vivenciado a Revolução dos Cravos, que pôs fim às longas décadas de regime salazarista em Portugal, afetando também toda a colônia ultramarina.
Lolô, que havia consolidado uma notável carreira internacional do outro lado do Atlântico durante os anos da ditadura militar brasileira, conhecia bem a fraternidade lusitana. Durante o próprio exílio, projetou tanto em Portugal como em países da África, e viveu em contato com a sociedade portuguesa até o retorno ao Brasil, quando estourou a revolução.
Na terra das araucárias, recebeu dos portugueses a encomenda que envolvia uma série de casas em um boulevard. O que hoje chamamos de condomínio, era até então novidade por estes lados. As residências deveriam ter inspiração na arquitetura do país europeu – um desafio para um arquiteto forjado no modernismo brasileiro.
O movimento arquitetônico chamado de ‘português suave’ tornou-se marca registrada das fachadas nas principais cidades de Portugal, e foi reproduzido em uma grande área na Rua Mateus Leme (altura do n° 2958, próximo à agência dos correios). As 22 casas – duas em cada edificação – são repletas de detalhes característicos das residências portuguesas.
Além de linhas bem definidas e de uma estrutura invejável – os lusitanos usaram a técnica de tijolo deitado -, chamam a atenção as ‘cantarias’ (molduras de portas e janelas, feitas com uma técnica que consiste em marretar o cimento) e a abundante presença de revestimentos em azulejos – diferente para cada cômodo e cada casa, sem repetição. Boa parte do material veio de Portugal.
Por algum tempo, o corredor de casas era uma ligação entre a movimentada rua e os jardins à margem do Rio Belém. A Vila Camões, como ficou conhecida, não tinha portões ou grades, que só surgiram após uma troca entre os construtores portugueses e os moradores da época que, preocupados com a segurança, ofereceram um busto do escritor Luís de Camões em troca dos itens de proteção.
Uma vila para chamar de sua
Desde o início, a Vila Camões virou ponto de refúgio para famílias que chegavam à Curitiba. Entre as versões sobre o local, uma história dá conta de que o condomínio havia sido erguido para receber famílias que fugiram da revolução, mas os moradores mais antigos não confirmam. “Era um empreendimento originalmente habitado por cariocas e portugueses, até porque a maior colônia portuguesa no Brasil está no Rio de Janeiro”, conta Manoel Collares, um dos seis moradores que vivem no local desde o início do condomínio.
O fato é que se criou um senso de comunidade intenso, e assim como em Grândola (vila portuguesa que inspirou a canção que serviu de ‘gatilho’ para a Revolução), há um amigo em cada esquina da Vila Camões. As ceias e festas comunitárias já não ocorrem com frequência, mas a união permitiu aos moradores serem suportes uns para os outros e a preservarem e valorizarem uma das mais importantes e simbólicas obras de Lolô Cornelsen.
*especial para a Gazeta do Povo. Publicado originalmente em 11 de outubro de 2016.