Arquitetura
Um estranho na paisagem: conheça o castelo marroquino do Alto da XV
Fotos: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
O edifício El Cashbah é um enclave marroquino em Curitiba. Uma fortaleza branca de cantos arredondados e janelas coloridas que desperta a curiosidade de quem passa pela Rua José de Alencar, quase esquina com a Rua Dr. Goulin, no encontro dos bairros Alto da XV e Juvevê.
Mas engana-se quem acha que se trata apenas de um “prédio esquisito”. Por trás da construção há uma história incrível. A inspiração nasceu de uma aventura ao Marrocos que o engenheiro civil Munir Guérios viveu com a família na década de 1970. No trajeto de carro de Casablanca a Marrakesh, ele, a esposa e as três crianças foram confundidos com terroristas que procuravam pelo xá do Irã, que estava de passagem pelo país.
Ficaram horas isolados em um quartel. “Era um tal de leva e traz passaportes. Aquilo não terminava nunca”, relembra, às gargalhadas, a advogada Karyme Guérios, 58 anos, filha do engenheiro. Até que as explicações de Guérios em árabe e francês surtiram efeito e o general de plantão liberou os brasileiros.
Apesar do contratempo, a poesia arquitetônica do Marrocos falou mais alto na cabeça do engenheiro, filho de libaneses. De volta ao Brasil, projetou a construção em 1976. Sem saber, aquele seria o seu canto do cisne. Apesar de vir a falecer só em 2013, aos 84 anos, o “castelinho do Alto da XV” foi o último edifício do maior construtor individual de Curitiba da época, que somou mais de mil apartamentos.
Arquitetura fantástica
O prédio é um grande castelo com quatro torres nas pontas. Fatalmente dotado de linhas curvas por ser inspirado nas fortalezas antigas do Marrocos, quando os cantos não serviam bem às construções de proteção porque eram frágeis a ataques. O branco foi uma opção natural que veio da preferência pelo bom aproveitamento da massa batida com texturas, uma característica bem comum por aquelas bandas e por todo o Mediterrâneo. Ao todo são 20 apartamentos divididos em quatro pavimentos. As metragens variam de 50 m² a 70 m². Nas unidades das pontas, os banheiros ficam no interior das torres.
“O prédio destoava da paisagem. Eram arcos, janelas coloridas. Até hoje não é para qualquer um. Quem tá lá gosta do estilo. As moças se sentem princesas no castelo”, brinca a empresária Rosi Mary do Rocio Toledo, 56 anos, que viveu 30 anos com Guérios.
Apesar de não ter sido a intenção de seu criador, o castelinho virou um grande manifesto da arquitetura fantástica. Um gênero sem uma linguagem formal rígida que flerta com o fantástico, tal qual na literatura, que “se afasta do habitual e anda fora do lugar, se apresentando como algo totalmente desencaixado do sistema de compreensão da arquitetura tradicional”, como descreve o arquiteto Fernando Fuão, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no ensaio “O fantástico na arquitetura”.
Enquanto muitos arquitetos tendem a rechaçar essa linguagem mais exótica que tem um pezinho no kitsch, o arquiteto Orlando Ribeiro, que leciona na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), vê o edifício com bons olhos. “Foi uma tentativa de fazer um habitar mais artístico para quebrar a monotonia urbana”, defende. “A sociedade é mista e a arquitetura precisa refletir isso com tolerância. Nesse caso, a linguagem é tão peculiar e temática quanto o paranismo, as construções germânicas em enxaimel ou as casas de madeira dos poloneses.”