Arquitetura
Grande nome da arquitetura contemporânea pede projetos menos artificiais e voltados para as pessoas
O jeito tímido e introspectivo, comum aos orientais, até faria passar despercebida aos mais desatentos a figura de Toyo Ito, um dos mais importantes nomes da arquitetura contemporânea. Denunciado pelos seus característicos óculos com formas retangulares e pela aura genial que o cerca, o sino-coreano, de 77 anos, que passou a maior parte da vida e construiu sua carreira no Japão, esteve no Brasil em março deste ano, data na qual falou para centenas de ouvintes que lotaram o auditório da Expo Revestir 2018, realizada em São Paulo.
Defensor ferrenho de uma arquitetura mais próxima do ambiente natural e voltada às pessoas, ele apresentou detalhes dos projetos que levaram seu nome para os quatro cantos do mundo e conferiram a ele as principais honrarias da arquitetura, como a Medalha de Ouro da União Internacional de Arquitetos (UIA) e o Pritzker Prize, em 2013.
Tido como um “profissional de talento único” pelo júri do prêmio, Ito propõe em suas obras usos diferenciados aos materiais e formas orgânicas inspiradas na natureza, destacando a fluidez entre o ambiente natural e as construções, como frisou na entrevista exclusiva que concedeu à HAUS, na qual confirmou o desejo de ver um de seus projetos executados em solo brasileiro – para sorte nossa. Confira!
Certa vez você comentou que muitos arquitetos fazem arquitetura para eles mesmos, e não para as pessoas. Esse seria o grande problema da arquitetura das cidades ou há outros igualmente importantes?
Em 2011, houve o grande terremoto e tsunami [de Tohoku, no nordeste do Japão] no qual diversas pessoas perderam suas casas. Naquela ocasião, esse acontecimento me fez pensar no que eu iria dizer para essas pessoas. Eu não poderia dizer: ‘olha, aquela obra era minha, pois eu a fiz’. Então, refleti muito sobre isso e, de lá para cá, ainda penso e levo os jovens arquitetos para visitarem estas regiões para fazer eles pensarem também.
Foi isso o que te levou a trabalhar com projetos mais focados na interação social de pequena escala, como o “Home-for-All”?
O grande terremoto de março de 2011 tornou-se um catalisador para eu considerar o que os arquitetos podem fazer por pessoas que perderam suas casas e cidades. Isso deu início à ideia de criar o projeto “Home-for-All”. [Ele] não é apenas para apoiar as pessoas afetadas, mas para reconsiderar completamente a distância entre arquitetos e usuários, e para contemplar por que e para quem a arquitetura é construída, que é um tópico fundamentalmente importante hoje.
Você também já manifestou sua opinião em relação ao fato de as pessoas se orgulharem por estarem “longe da terra”, de viverem nas grandes torres, e disse que não gostava muito disso. Como descreve a relevância da natureza para a prática da arquitetura contemporânea?
Tóquio [,por exemplo,] já é uma cidade verticalizada, mas para as Olimpíadas de Tóquio, que acontecerão em 2020, as construções mais antigas, que eram térreas ou, no máximo, assobradadas, foram derrubadas e a cidade está se verticalizando [também] em áreas comerciais antigas. Isso significa que as pessoas estão vivendo cada vez mais em ambientes artificiais, pois, quanto mais se afasta do solo, mais artificial é. E, ao mesmo tempo, fica uma vida toda igual, pois as pessoas vivem em ambientes iguais, construídos artificialmente, [e que tornam] a vida e as pessoas muito iguais, muitas vezes sem expressão, sem emoção.
Quando [vim] ao Brasil fiquei feliz porque aqui as pessoas têm emoção, demonstram essa emoção. Como arquiteto, eu gostaria que não acontecesse aquilo [de a vida ser toda igual] , então estamos trabalhando para reduzir um pouco este impacto.
Como brincar com as entidades etéreas, como o ar e a luz, das quais você gosta e agregam tanto aos projetos que faz e às cidades?
Em relação às luzes, curvas [e outros elementos], procuro produzir uma arquitetura que tente chegar o mais próximo possível, e de forma natural, à fluidez. No momento em que se constrói perde-se a fluidez, eu tento resgatar essa fluidez contínua que existe no ambiente natural.
Qual é a grande lição da arquitetura contemporânea feita no Japão?
O grande mérito está nas construções, nas técnicas construtivas que ajudam muito [o processo criativo] dos arquitetos. Eles criam formas complexas e as construtoras conseguem construir isso com um preço similar ao da construção convencional.
No Brasil, a ideia de progresso costuma estar relacionada somente às novas construções. O que você pensa sobre isso? É possível haver progresso sem que a cultura e história populares sejam perdidas? Como?
A arquitetura e as cidades do século 20 eram controladas pela ideologia do modernismo ocidental. No entanto, quando entramos no século 21, a arquitetura modernista se ligou à economia global, onde o conceito de “progressão” é perdido. Acredito que, reexaminando as tradições locais e a história cultural regional antes da introdução do modernismo, poderíamos “progredir” e criar algo além do modernismo.
Esta é sua primeira visita ao país? Qual sua avaliação sobre o Brasil?
Sim, a primeira vez. Superou minhas expectativas. A arquitetura que existe no Brasil é excelente e as pessoas são muito atenciosas e agradáveis. Vimos muito mais coisas do que imaginávamos antes de sair do Japão. Lá, o que passa na televisão são os brasileiros loucos por futebol, bagunça e [as pessoas] dançando o Carnaval. Só passa isso. Então, imaginávamos um povo muito quente, e no dia a dia vocês são calmos.
Qual sua impressão sobre as obras modernistas que visitou no país, especialmente em São Paulo?
Elas têm muitas coisas em comum com o modernismo japonês. Mas um dos pontos que me impressionou muito é que o modernismo aboliu elementos externos, como varandas e terraços, e em São Paulo a arquitetura moderna ainda mantém as varandas. Isso me deixou muito feliz.
Há algum projeto seu em estudo para o Brasil?
Atualmente, não tenho nenhum projeto no Brasil, mas ficaria feliz em trabalhar em um caso tenha a oportunidade. Isso porque, hoje, o Japão perdeu a motivação para encontrar coisas novas que levam a um futuro melhor. [No Brasil,] pelo contrário, pude sentir a energia e a beleza da arquitetura modernista quando visitei São Paulo e Brasília.