Arquitetura

Repensar a cidade e criar soluções globais

Flávia Schiochet, especial para a Gazeta do Povo
02/08/2012 03:34
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Se as fronteiras entre países estão se dissolvendo, dentro das cidades, elas se fragmentam cada vez mais à medida que crescem. Atuar nesses fragmentos é o que faz Alfredo Brillembourg, arquiteto formado pela Universidade de Columbia (da qual é professor convidado) e Universidade Central da Venezuela. Ele também é professor do curso de Arquitetura e Urbanismo no Instituto Suíço de Tecnologia e diretor e fundador do Urban-Think Tank (U-TT), escritório de arquitetura interdisciplinar que desde 1993 funciona em Caracas. Alfredo e seu sócio, Hubert Klumpner, decidiram se estabelecer lá pela ligação de ambos com a cidade. “Em parte porque era a cidade que melhor conhecíamos e à qual nos sentimos obrigados a retribuir”, diz.
Atualmente, além de Caracas, o U-TT tem representantes em São Paulo, Zurique e Nova York. O interesse de Brillembourg e Klumpner nunca parte do zero: eles preferem projetar a partir de espaços já construídos e procurar uma solução junto à comunidade que habita o lugar. É o que está acontecendo em São Paulo, onde um centro comunitário de cultura está sendo cons­truído na favela Paraisópolis, projeto que recebeu o segundo lugar do prêmio Global Holcim 2012, que reconhece iniciativas sustentáveis. Em entrevista por e-mail ao Viver Bem Casa & Decoração, Alfredo Brillembourg fala da influência brasileira no seu trabalho e sobre o papel atual da arquitetura.
Primeiramente, por que vocês decidiram se fixar em Caracas?
Caracas apresenta um paradigma interessante tanto para estrangeiros quanto para caraquenhos, e quanto mais tempo passamos lá, mais fascinados ficamos com os espaços urbanos se desdobrando e ampliando diante de nós.
Vimos que a zona urbana mais fascinante eram os barrios, que historicamente também são os mais negligenciados em pesquisa arquitetônica. Nossa curiosidade nos levou a aprender mais sobre eles e, eventualmente, nos envolver com moradores e lideranças para a construção de projetos.
Como dito no site do U-TT, alguns brasileiros influenciaram o trabalho de vocês, como Hélio Oiticica e Vilanova Artigas, mas o Centro no Grotão, em São Paulo, é o primeiro projeto aqui. Por que só agora?
Nós realmente fomos muito inspirados por brasileiros, interdisciplinarmente. Oiticica e Artigas ainda nos inspiram com seus trabalhos que demandam novas perspectivas em como criar espaços, mover e promover a comunidade. Lina Bo Bardi, mesmo nascida na Itália, se destaca como uma das arquitetas e designers mais influente na tradição brasileira. A própria natureza do nosso trabalho requer comprometimento a longo prazo com as áreas em que começamos nossos projetos.
Nós estamos com frequência trabalhando com o governo nacional e municipal – como parceiros e também como clientes – e em todas as partes do mundo isso significa burocracia adicional e retrocessos políticos imprevisíveis.
Nós sempre tivemos interesse em trabalhar no Brasil, e uma amizade antiga com Elisabete França, diretora da Secretaria de Habitação de São Paulo (SEHAB), nos trouxe a possibilidade de trabalhar em Paraisópolis. O momento foi ideal, e com a comunidade do Grotão e da SEHAB, nós pudemos iniciar o planejamento e em breve a construção do Centro de Ação Social para Música.
Seus projetos são replicáveis e adaptáveis a lugares diferentes. Qual é o fator comum entre as cidades que recebem esses projetos? Quais seriam as principais “fraquezas” destas cidades?
As cidades que implementam versões de nossos protótipos – como o Ginásio Vertical – são similares porque são constituídas de áreas formais e informais. O que alguns podem ver como “fraquezas” nestas cidades (densidade demográfica extrema, assentamentos informais, falta de serviços básicos), nós simplesmente vemos como outra configuração de condições e desafios para trabalhar.
Nossos protótipos são feitos para ser adaptados com base no contexto e assim podem beneficiar qualquer malha urbana, contanto que as necessidades específicas da comunidade sejam levadas em conta.
É verdade que cada cidade, cultura, geografia e clima político é diferente, mas também é verdade que em todo o Hemisfério Sul há aspectos em comum que fornecem uma base para uma ação unificada. Nós acreditamos em construir estas pontes com a esperança de que a fragmentação social causada pelo capitalismo seja reparada.
Como o conceito open-source se aplica em arquitetura?
Como em várias das iniciativas open-source, fundamenta-se na ideia de que o público tem muito a contribuir. Nós podemos desenvolver uma ideia, porém nos voltamos para as pessoas cujas vidas serão afetadas pelo projeto para que elas sugiram melhorias e modificações no conceito, uma vez que sabem o que é melhor para eles e para a comunidade.
Nós queremos permitir que as pessoas de cidades do mundo todo melhorem suas próprias condições de vida; para isso, nós ajudamos fornecendo protótipos bem-sucedidos e ideias como ferramenta de trabalho. Informação e conhecimento são a nova moeda para mudanças positivas, e acreditamos que arquitetos e designers deveriam ter um papel neste modo de produção.
As cidades e as pessoas estão mudando constantemente. Como esses projetos se adaptam a isso? Como projetar relacionando eco-sustentabilidade e adaptação futura?
Nenhum prédio é permanente, apesar de muitos arquitetos verem suas criações dessa forma. A cidade está constantemente crescendo e acreditamos que este espaço e estrutura deveriam ser capazes de não só acomodar este crescimento, mas servir como pontos focais importantes para o desenvolvimento e coesão da comunidade enquanto isto ocorre. Quanto mais sustentável uma construção é, menos ele “suga” da comunidade ou polui o meio ambiente. Um prédio deve dar apoio à comunidade, e não diminuir sua força total.
Qual o papel da comunidade neste cenário? Arquitetura e sociedade podem trabalhar juntos para evitar desastres?
Descobrimos que, ao trabalhar em conjunto com as comunidades antes de fazer quaisquer planos ou modelos é o melhor caminho para conceber um projeto que contemple as necessidades atuais e futuras das partes interessadas. Também vemos a participação como um processo não-linear, no qual há loops de feedbacks constantes, ideias provenientes de diferentes caminhos e perspectivas enquanto o projeto está sendo desenvolvido.
Sem inserir planejadores de cima para baixo (geralmente autoridades de planejamento do governo) e também os de baixo para cima (habitantes, trabalhadores, transeuntes, etc), o projeto está fadado a tornar-se ou irrelevante, ou contribuir para desastres. Nossos projetos empenham-se a satisfazer necessidades e desejos complexos, mas também visam à evolução após submetermos o design final e a equipe de construção fixar o último tijolo.
Você acredita que os projetos que o U-TT estão desenvolvendo nos países de terceiro mundo são um caminho para mostrar que design não é apenas um ornamento, mas também solução? Como você descreveria a experiência?
Jean Luc Godard disse uma vez: “Pode ser verdade que tenhamos de escolher entre ética e estética, mas, independentemente do que escolhermos, uma sempre encontrará a outra ao fim do caminho”. Alinhados com Godard, acreditamos que deve haver uma dialética entre ética e estética.
Obviamente acreditamos que o campo tem se preocupado muito mais com a ornamentação, e como pessoas interessadas em propagar o legado modernista, particularmente no contexto do terceiro mundo, acreditamos que deveria haver uma ênfase em ética. A estética não deve ser negligenciada, mas mantida em um equilíbrio cuidadoso com preocupações éticas importantes.