Patrimônio de Curitiba
Arquitetura
Prefeitura nega descaracterização, mas Teatro Paiol passará por intervenção após pintura “equivocada”
Depois do apagamento do mural do Jack Bobão, na região central de Curitiba, é a vez de uma obra no Rebouças atrair a atenção e gerar polêmica na cidade. A reforma do Teatro Paiol, um dos cartões-postais curitibanos classificado como Unidade de Interesse de Preservação (UIP) pela prefeitura municipal, gerou burburinho na internet depois que uma pintura em tom amarelado cobriu a fachada com textura rústica aplicada pelas marcas do tempo que caracterizavam a edificação.
Além da população, que comparou a pintura ao restauro da obra Ecce Homo -- também famosa no universo dos memes --, o arquiteto Abrão Assad, responsável pelo projeto do Teatro Paiol ainda sob a gestão Jaime Lerner, na década de 1970, manifestou-se sobre as interferências por meio de carta pública.
Nela, o arquiteto -- que também assina o projeto das estações tubo, da Rua 24 Horas e do Jardim Botânico, para citar alguns -- classifica a reforma como "equivocada", uma "desastrosa, grotesca e irresponsável descaracterização da obra original", e se diz "perplexo" por não ter sido consultado ou informado pela prefeitura sobre as intervenções, uma vez que sobre todo projeto de arquitetura pesam questões de direito autoral e, neste caso, ele é o autor do projeto da intervenção realizada na edificação há cerca de cinco décadas.
"Arquitetonicamente, foi um desastre. Se tivessem lido o memorial do projeto, teriam entendido que um dos fatores essenciais [daquele projeto] foi preservar a patina que o tempo propiciou ao prédio. Este era o ponto forte, assim como o conceito de que tudo o que foi colocado de novo foi revelado como novo para valorizar o antigo", avalia Abrão Assad em entrevista à HAUS.
"Não estou acusando ninguém. Estou revelando fatos e me propondo a [juntos] encararmos o problema fazendo uma 'cirurgia reparativa de emergência'", acrescenta o arquiteto ao mencionar uma reunião realizada com os órgãos do município responsáveis pela reforma com o objetivo de "reviver o novo velho Paiol", nas palavras dele.
"O Paiol sempre passou por essas vicissitudes, elas aconteceram em várias épocas. Agora estamos diante de uma atual. Ele foi danificado e estamos propondo uma solução para remediar o ocorrido", completa Assad.
A reforma
O projeto para a execução da reforma do Teatro Paiol foi elaborado pela Fundação Cultural de Curitiba (FCC), de acordo com a prefeitura municipal, e tem o acompanhamento da Secretaria Municipal de Obras Públicas (Smop). O objetivo é recuperar as estruturas e melhorar as condições de uso do imóvel, que estava em processo de degradação, segundo o município. Os trabalhos incluem reforço estrutural das paredes, portas e janelas, o tratamento de rachaduras, reforma geral do telhado, troca de calhas e do isolamento acústico, drenagem e impermeabilização, além da pintura externa.
Procurada pela reportagem de HAUS, a FCC declarou em nota que "a reforma foi precedida de estudos técnicos e a cor amarela trabalhada conforme prospecção realizada por arquitetos especializados em patrimônio histórico". Até a publicação da reportagem, a Fundação não retornou, no entanto, sobre quem são estes profissionais e se eles integram o quadro de servidores municipais. O órgão acrescentou que a obra de conservação "não alterou o projeto do arquiteto Abrão Assad, [pois] nenhum detalhe arquitetônico da proposta do arquiteto foi alterado".
Ainda segundo a FCC, a pintura não foi realizada com tinta, mas com uma técnica a base de cal para proteção da alvenaria, e ainda não está concluída. "Com a ação do tempo, [ela] gradualmente devolverá o caráter rústico da fachada da edificação (efeito “desgaste” de cor e reboco). Vale lembrar que o tom da tinta também varia conforme a umidade da parede", acrescenta o comunicado oficial.
Questionada sobre a participação do arquiteto Abrão Assad no andamento desta fase final da obra -- em novembro último 83% dela estavam concluídos --, a FCC confirmou que, agora [e após pedido do profissional], ele está "colaborando com a comissão responsável para se chegar ao efeito de cor de aspecto antigo que costuma caracterizar o imóvel".
A nota destaca, ainda, que o projeto passou por aprovação Comissão do Patrimônio Histórico e Cultural (CAPC) e foi submetido ao programa Cultura: Preservação, Promoção e Acesso do Governo Federal. O custo total da obra é de R$ 647 mil, sendo R$ 463 mil via recursos do Ministério da Cultura por meio da Caixa Econômica Federal e outros R$ 184 mil custeados pelo município.
"As obras no Teatro do Paiol acontecem para aumentar a durabilidade e melhorar as condições de uso do imóvel, que estava com processo de degradação das paredes, graves infiltrações, com risco, inclusive, de colapso de toda a estrutura. A obra da prefeitura de Curitiba garante o uso do Teatro do Paiol, com segurança, por pelo menos mais 50 anos", conclui a Fundação Cultural de Curitiba.