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Palácio Capanema é “joia da coroa” e possível “abacaxi”para ente privado, aponta estudioso do modernismo

Terraços-jardins e praça pública mesclam espaços público e privado no edifício. | Divulgação/Iphan
Uma discussão acalorada entre amantes, estudiosos e defensores da arquitetura e da cultura nacionais tem ganhado espaço na mídia e nas redes sociais nos últimos dias. E não era para menos. Quando o jornal “Valor Econômico” antecipou, na última sexta-feira (13), a inclusão do Palácio Capanema, no Rio de Janeiro, entre as centenas de imóveis que integram um pacote de bens que o governo federal planeja apresentar a investidores até o fim deste mês, as reações foram imediatas e vem ganhando coro desde então.
Primeiro, porque trata-se de um prédios mais importantes - mesmo que às vezes ofuscado por outros, como o conjunto de Brasília, por exemplo - da história arquitetônica brasileira. “Ele foi o primeiro exemplo de edifício em altura em estilo moderno construído no mundo por meio de uma parceria entre Le Corbusier e jovens arquitetos cariocas [à época], como Oscar Niemeyer e Lucio Costa. Antes dele, [a arquitetura] moderna só era exercida em casas, em geral de pessoas ricas, ou em conjuntos populares e industriais. Esse prédio demonstrou que o estilo moderno era exequível no mundo inteiro, e não só na Europa temperada”, lembra o arquiteto e antropólogo Lauro Cavalcanti, professor da Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), especialista em modernismo e autor de dois livros sobre o tema, sendo o mais recente deles “Dezoito graus: A biografia do palácio Capanema”. Tal fato, inclusive, fez com que o prédio fosse eleito como o edifício mais avançado do mundo em construção, no início da década de 1940, pelo Museu de Arte Moderna de Nova York.

Se isso por si só não fosse motivo suficiente, a ele somam-se outros. Como já citado, três dos gigantes da arquitetura moderna têm seus nomes atrelados à construção do edifício: Niemeyer, Lucio Costa e Le Corbusier (que atuou como consultor da obra). Mas não só. A eles juntaram-se Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Ernany de Vasconcelos e Jorge Machado Moreira no projeto arquitetônico, que tem paisagismo assinado por ninguém menos que Roberto Burle Marx.
E a lista não para por aí. Os azulejos que revestem muitas das paredes do prédio contam com obras de Cândido Portinari, que também assina afrescos, telas e painéis no prédio, no que é avaliado como um de seus principais acervos. A eles unem-se pinturas e esculturas de Bruno Giorgi, Adriana Janacópulus, Celso Antônio e Jacques Lipchitz, que também compõem a edificação. É um conjunto ímpar pois, pode-se dizer com quase absoluta certeza ser muito difícil encontrar exemplar aqui ou no exterior que reúna tamanha constelação em seu projeto. “É uma joia da coroa”, define Cavalcanti.

E se todo esse pacote cultural ainda não sustenta a defesa da permanência do Palácio Capanema como propriedade da União, o arquiteto e antropólogo destaca mais um ponto: o valor previsto como proposta inicial para a aquisição do bem, que estaria avaliada em cerca de R$ 30 milhões.
“Ele está sendo oferecido a preço vil. O preço de um apartamento à beira-mar no Rio, e nem o de um apartamento muito especial, mas o de um apartamento bom, mas nada nabadesco. Para se ter ideia, gastou-se cerca de R$ 120 milhões em obras [de restauro e revitalização]”, cita Cavalcanti ao lembrar a série de obras de restauro e reparação realizadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) ao longo de cerca de dez anos no prédio. Isso porque, toda a riqueza arquitetônica e cultural do Capanema fizeram com que o edifício entrasse na lista de patrimônios tombados pelo órgão federal em 1948, poucos anos após sua conclusão, datada de 1945.

A Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados já se manifestou explicando que nem sempre a avaliação corresponde ao valor real de mercado do imóvel, e que a precificação caberá aos interessados pela compra. Em havendo interesse e a concordância do governo federal para a venda, este então abrirá um edital de oferta do imóvel, para que outros interessados também possam concorrer à aquisição do bem.
“É um prédio que é tombado pelo patrimônio, que não pode ser mexido. Para uma empresa ele se transformaria em um abacaxi, uma vez que uma empresa quer alcançar os maiores lucros possíveis e poder ter gerência sobre o seu espaço. Submeter uma empresa às normas [deste edifício], que é quase uma catedral do modernismo, seria ruim para a empresa e para o palácio”, avalia o arquiteto.

Propostas
Procurado pelo reportagem, o Ministério da Economia limitou-se a dizer que “atualmente não há nenhum edital aberto pela Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SPU) para alienação de edifício tombado”. Acrescentou ainda que, “desde junho de 2020, a partir da publicação da Lei nº 14.011/2020, todos os imóveis públicos federais podem receber uma Proposta de Aquisição de Imóveis (PAI) por qualquer cidadão interessado na compra”. Neste caso, “à União compete, uma vez recebida a PAI, avaliar se há ou não interesse na venda”, explica em nota o Ministério. ”Em caso positivo, também cabe ao governo impor obrigações aos compradores, principalmente, no caso de imóveis tombados ou com interesse histórico e cultural para a preservação do patrimônio do país”, conclui a nota.

A Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) e o governo do Rio de Janeiro, inclusive, manifestaram nesta quarta-feira (18) a possibilidade de compra do Palácio Capanema. Segundo levantado pelo portal “G1 Rio de Janeiro”, parte da verba para a aquisição viria da própria Alerj, com base em recursos a que tem direito anualmente, mas dos quais a assembleia abriria mão.
Questionados sobre o caso, o Iphan e o governo do Rio de Janeiro não responderam aos pedidos de entrevista até a finalização desta matéria.

O palácio
O Palácio Gustavo Capanema foi projetado originalmente para sediar o antigo Ministério de Educação e Saúde do governo de Getúlio Vargas. Sua construção aconteceu de 1937 a 1943, sob direção do engenheiro civil Emílio Baungart, que utilizou como material de revestimento das empenas o gnaisse (uma rocha sedimentar bastante parecida com o granito e chamada de pedra de galho).
O edifício se tornou um ícone do modernismo brasileiro e tombado em 1948 pelo Iphan porque foi o primeiro prédio brasileiro que reuniu as principais características da arquitetura moderna, com o uso de pilotis (colunas arredondadas), planta livre, terraço-jardim, fachada livre, janelas em fita e azulejos. Elementos que resultaram do feliz encontro de nomes gigantes da arquitetura e das artes brasileiras, como Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Ernany de Vasconcelos, Burle Marx, Cândido Portinari, Adriana Janacópulus, entre tantos outros, com a consultoria de ninguém menos que o franco-suíço Le Corbusier, em 1937.
O nome com que foi batizado o edifício faz referência ao então ministro da educação de Vargas, Gustavo Capanema. O prédio tem 16 pavimentos e uma área de mais de 27 mil m², com diversas obras de arte, entre painéis de azulejos, quadros e murais de Portinari, e esculturas de Bruno Giorgio, Vera Janacópulus e Celso Antônio.